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segunda-feira, 21 de julho de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (147)

CLÓVIS Moura, talento multiforme, que o Piauí ofereceu ao Brasil, manda-me, de São Paulo, a poesia abaixo transcrita. Homenagem à memória de Felipe dos Santos. Dedica-a a Maria. Ei-la:

SIGNIFICADO DO SILÊNCIO

      A noite tem um gôsto compacto.
   As cobras escorrem em estrêlas
e se espalham no vale da ira
   Cabelos estrangulam pescoços
   e os horóscopos se revoltam
   contra o destino: e cospem.

      Um raio transpassa o coração
do pescador solitário que na ilha
olha o umbigo e o peixe/alimento.
Sentenças são escritas em azulejos
quebrados. Há mascar de terra em bôcas solitárias partidas.

      Contudo, ninguém falará aos corpos.
O silêncio é alvenaria do futuro.
Podem maltratar o corpo com vergastos,
a bandeira será a mesma. O cuspo não atinge o rosto do herói. a ira constrói estátuas no momento agudo, quando tôdas as túnicas são despidas
e o homem fica virgem e incontaminado,
sômente êle mesmo: puro ou podre.

      Há quem deseje que o mar não se encapele
para  a viagem à utopia. Outros
se esquecem da estrutura das feras.
Alguns, por isto mesmo fracassam e quebram o silêncio das palavras
e das algemas.

                          Que dizer quando isto é forma de ser, de proceder, de existir?
Preferimos os peixes a êsses homens.
Entre o silêncio e o som covarde
somos os primeiros que estão com o primeiro.
Os relógios marcam horas
compassados pelo gotejar do sangue.
Mesmo assim a palavra menor deve ser poupada
aos ouvidos do algoz.

                          A pedra
deve ser exemplo. Na hora da dor
mastigue formiga e vento,
vidro moído e sabre
                          e salive ódio.

      Cuspa na crista dos valetes
que apodrecem e fazem apodrecer.
Cuspa ódio para que não haja
a hora do apaziguamento
que será cruz/sepultura
do quase herói.



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 5, 14 dez. 1971. 

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