Quer ler este post em PDF?

terça-feira, 26 de agosto de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (178)

LIVROS RECEBIDOS: Humanismo Telúrico do Nordeste, de F. Alves e Andrade e Cândida Maria Galeno; Chegança, de Fernando Braga; Antologia Escolar Brasileira, organizada por Marques Rebêlo, oferta de Vicente de Paula Reis e Silva; e A Porta do Paraíso, de Heli Menegale, oferta de Celso Barros.

X   X   X

Consulta de Karla: "É errado usar-se PASSADO precedido de PARTICÍPIO? Por que se diz ZIMPATIZO-O, se o verbo exige preposição?" RESPOSTA. Pode dizer-se PARTICÍPIO PASSADO. Nenhum mal há nisto. Particípios são formas verbais que têm natureza verbal e adjetiva, ao mesmo tempo. Em português há o PASSADO e o PRESENTE. Construção muito antipática a registrada pela missivista: SIMPATIZO-O. O verbo SIMPATIZAR normalmente vem com a preposição COM: simpatizo com os homens nobres de caráter.

X   X   X

DEOCLÉCIO Dantas oferece-me livro recentemente editorado pela COMEPI. Trata-se de COMO SE COMPORTAM AQUÊLES QUE PARTICIPAM DIRETAMENTE NA OBRA – ensaio ténico-econôico-sociológico – escrito pelo engenheiro civil Lidenor de Mello Motta, que esclarece, na apresentação: "Pretendemos fazer com êste trabalho uma longa reportagem do Mundo da Indústria de Construções no setor de execução da obra. É um relato escrito nos canteiros de serviços de prédios de apartamentos residenciais, vivendo e dialogando diariamente com os protagonistas, sentindo os seus anseios pelo desejo de propiciá-los e participando das suas tarefas pela co-responsabilidade da investidura de engenheiro encarregado da obra. Os assuntos abordados, acreditamos, levaram-nos a invadir searas doutros departamentos da cultura, como a Economia e a Sociologia".

Lidenor de Melo Mota aprecia, com invulgar capacidade, o trabalho e a personalidade de vários tipos de operário, como o mestre-de-obra, o armador, o pedreiro, o carpinteiro, o eletricista, o bombeiro, o estucador, o taqueiro, o marmorista, o vidraceiro, o pintor, o servente e outros. Obra de técnico, de economista, de psicólogo.

O esfôrço de composição, paginação, impressão e ilustração do livro pertence à COMEPI – um esfôrço digno de admirar e altear e que revela o nível de aprimoramento a que chegaram os servidores dessa emprêsa, liderados pela capacidade devotada de Deoclécio Dantas. Aplausos a Ari Lopes, ilustrador da obra, concebedor da capa. Ari é artista consumado.

X   X   X

Outra pergunta de Karla: "Está correta a construção MINHA CASA FICA AO PEGADA A SUA?" RESPOSTA. Não. Certo assim: minha casa fica pega à sua. Pegada aí tem valor de junta, ligada.

X   X   X

Um ex-diretor do FRIPISA ofereceu ao órgão competente denúncia contra Rodrigues Filho. Segundo a denúncia, o ex-delegado da SUNAB "estaria usando os poderes do cargo para beneficiar-se, na qualidade de proprietário de vacaria", e ainda para "prejudicar o denunciante, ao permitir a matança (de gado) em outros abatedouros".

O processo mereceu sindicâncias e recebeu depoimentos. Examinado pela Procuradoria Geral da Superintendência Nacional do Abastecimento, esta concluiu que as denuncias eram "não só infundadas, como também imbuídas de má-fé, com o fim de, desmoralizando o delegado, desmoralizar a SUNAB naquele estado".

Está Rodrigues Filho de parabéns. Totalmente absolvido das leviandades com que quiseram tisnar-lhe a honra, bem luminoso, o mais luminoso da existência. Ouvi, certa vez, de incautos que Rodrigues estava envolvido em corrupção na SUNAB. Protestei. Não sei investir contra a honra de ninguém sem provas inatacáveis. Já padeci ofensa à minha honra. Mastigaram-na com a podridão de haver eu recebido diárias ilícitas como Secretário de Educação. Provei com certidão do Departamento de Administração da própria Secretaria a inverdade da acusação baixa e vil. Provei mais: que não recebi dois terços das diárias de viagem que efetuei, que não recebi os dinheiros que gastei com gasolina no interior, que não recebi os dinheiros das despesas pagas com o café fornecido à Secretaria. Dirigi requerimento de cobrança ao governador Alberto Silva. Nunca o Chefe do Executivo mandou pagar-me o que o Estado me deve, justamente porque sou pobre. Alguns ricaços recebem pagamentos com rapidez espantosa. Outros recebem pagamento alto por serviço que não corresponde aos dinheiros metidos na bôlsa de ilicitudes. Eu, não. O Estado não me paga o que me deve.

Fiquei jubiloso com a vitória de Rodrigues Filho - uma vitória que reafirmou a integridade do seu patrimônio moral - riqueza mais pura que se deixa à mulher e aos filhos e com que se vive de fronte erguida em sociedade.

X   X   X

Outra pergunta de Karla: "É obrigatório o uso da vírgula quando o objeto antecede ao verbo?" RESPOSTA: não.

X   X   X

Parque Nacional de Sete Cidades, área do govêrno federal. Administração do Ministério da Agricultura, por intermédio do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, órgão dirigido no Piauí por essa figura de estimação, convivência reclamada, de nome Raimundo Nonato Medeiros, que é também o administrador do Parque. E bom admirador. Fêz ali abrigo para visitantes, residências para servidores, pôsto de saúde, uma escolinha. Há energia elétrica. O IBDF do Piauí editorou agora trabalho de divulgação, coordenado pelo talento artístico de Hardi Filho. Aspectos históricos das SETE CIDADES, com fundamento nas idéias de Ludwig Schwenhegen. Em seguida, transcrição do Decreto 50.744, de 8 de junho de 1961, que criou o Parque Nacional de Sete Cidades e considerou flora, fauna e belezas naturais da área merecedora da proteção dos podêres públicos. O trabalho do IBDF passa a demonstrar a localização do Parque, limites, vias de acesso, flora, fauna (perequitos, veados, onças, variedades de répteis, batráquios), clima, obras realizadas. Finalmente, as finalidades dos Parques Nacionais.

X   X   X

Li num jornal de Teresina que será realizado concurso de dança. Não sei quantas orquestras tocarão por processo de revezamento. Ganhará o Prêmio aquêle que conseguir dançar durante quarenta horas, sem parar. Deus meu, que estais pendente de um madeiro, protegei a mocidade desta terra. Por que em Teresina só se pensa em futilidade? Não seria melhor convocar a juventude para um concurso literário? Não. Chega ou não chega de concurso de exibição de corpos? Desta vez, com a dança, exibição de rebolado. Aqui já se elegem misses do algodão, da carnaúba, do fumo, da escuridão, o da gordura, do funcionalismo - e o prefeito de Buriti dos Lopes outro dia anunciava que ia escolher a misse do arroz. E quantas rainhas: do carnaval, das férias, do caju, da pitomba, dos colégios, das tertúlias, das escolas de samba, do verão, do folclore, e agora certamente virá a rainha do futurismo. Aqui já escolheram até o homem mais bonito. Entenda-se que uma coletividade não pode viver o ano todo de pasmaceira. Que caminhos são oferecidos à mocidade? Então a vida se resume nas lições de que o estudo não merece incentivos? Noite e dia, dia e noite, de janeiro a dezembro , os rádios e os jornais, permanentemente, registram festas, festinhas, festocas e festanças. É necessidade espiritual a diversão. Nunca a diversão como objetivo da vida, como única forma de vivência. Nos Estados Unidos se fazem êsses concursos de dança ao ar livre. Os pares ingressam numa área cercada. Música e mais músicas. Não se para de tocar. Os que não agüentam vão deixando a pista. O par que conseguir ficar sozinho, ganha o prêmio. Coy, em romance forte, condena a estupidez de tais concursos. Teresina vai copiar a moda. Interessante é que aqui a gente só copia dos outros o que não presta.            




In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 6, 17 dez. 1971.

CADERNO DE ANOTAÇÕES (177)

ANO PASSADO estive reunido com supervisoras do ensino. Funcionárias da Secretaria de Educação, competentes, e devotadas ao trabalho. Perguntaram-me que eu achava da reciclagem dos mestres. Disse-lhes que essa palavra reciclagem semelhava tolice grossa. Empregam-na alguns autores, desavisadamente. Outro dia aqui estêve o ministro Passarinho. Pronunciou discurso, na Assembléia, muito apreciado. E no decorrer do discurso, passou pito na Secretaria de Educação, porque esta, em documentos oficiais, empregava reciclagem. Jarbas Passarinho é de aguçada inteligência. Leia-se lição de Napoleão Mendes de Almeida: "Cubagem, metragem, quilometragem, amparagem, voltagem, wattagem são barbarismos que no idioma se vêm consagrando com sacrifício do nosso vocabulário e da própria ciência. Perguntar: qual é a cubagem dessa sala? - não é usar de linguagem. Possuímos o vocábulo, mas não com o significado manifestado nessa pergunta, na qual deve ser substituído por volume. Comprimento, altura e largura de uma cousa dão-nos o volume da cousa e não a cubagem. Pelo menos foi o que aprendemos no curso primário. Metragem é outro disparate: qual a metragem do terreno? Assim não é que se deve dizer, mas: Qual a área do terreno? Seja expresso em metros, seja em quilômetros, seja em centímetros, o produto do comprimento pela largura irá dar-nos a área. Outras vêzes usam metragem em lugar de extensão: Qual a metragem dessa peça de fazenda? Qual a metragem dêsse rôlo de arame? Fio, peça de tecido, fita têm comprimento e não metragem, nem centimetragem, nem outras bobagens. Usam ainda o vocábulo na expressão espúria: filme de longa metragem, em vez de filme grande, filme comprido, filme extenso... Quilometragem é outro barbarismo, para denotar extensão expressa em quilômetros. Quer em quilômetros, quer em metros, quer em centímetros se exprima a distância de um ponto a outro, deve dizer-se extensão, comprimento, distância. Amperagem, voltagem, wattagem são palavras que devem e podem ser substituídas por outras nossas. Relativas tôdas À corrente elétrica, a primeira exprime a intensidade, voltagem indica a fôrça (eletro-motriz ou diferença potencial) e wattagem denota a potência da corrente. Potência, fôrça, intensidade são palavras vernáculas e muito mais compreensíveis. Se antes vimos que, expressa em metros ou em quilômetros, a extensão é sempre extensão (e não metragem, quilometragem), devemos ver agora que a potência de uma corrente elétrica é sempre potência e não wattagem. Ainda que expressa em calos-vapor, continuará sendo potência. Curioso seria perguntarmos a alguém a cavalagem de um motor. A aceitar tais barbarismos, obrigados seremos a pôr de lado a palavra pêso, para construirmos: Qual a quilagem dêsse fardo de algodão? Daí passaríamos para alqueiragem, guartagem, gramagem, palavras muito próximas de bobagem e de pastagem". O ministro Passarinho lecionou bem. Em lugar da tolice reciclagem, diga-se treinamento.

X   X   X

LIVRINHO de umas vinte e cinco páginas. Tamanho pequeno. Autor: Fernando Barbosa de Carvalho, membro de uma família de intelectuais, irmão dêsse patrimônio espiritual do Piauí, desembargador Cromwell Barbosa de Carvalho. Título da obra: "Voz da Razão". Grande livro, todavia. Grande pela linguagem polida e pelas lições de sabedoria que encerra. Estudo sério, feito com a compreensão de educar, de transpreleções para que se forme a personalidade: "Êste modesto livro - escreve o autor - não tem outra finalidade, não visa a outra meta, não se destina a outro escopo que o de evidenciar, de maneira clara e precisa, a índole ingrata do homem, índole tendente à prática do mal, conscientemente". Por através da revelação da maldade humana, Fernando Barbosa de Carvalho oferece os princípios pelos quais o homem pode chegar à bondade. Caminho certo: a atitude pode chegar, a razão. A razão como proclamadora da verdade, como extinguidora do amoralismo, como propiciadora da cultura intelectual e cívica. O homem racional - sustenta o autor - pensa antes de agir, conhece-se a si mesmo, dignifica-se pelo trabalho honesto, repudia os triunfos ilícitos, enriquece-se de fôrça de vontade, cultiva a nobreza dos sentimentos, abdica do egoísmo, dá amor aos outros, repele o vício e chega à felicidade. A razão é mestra, protetora, conselheira, ciência, fraternidade, sabedoria, convivência. De parabéns as letras maranhenses. De parabéns a Academia Maranhense de Letras, de que Fernando Barbosa de Carvalho é dos mais ilustres sócios efetivos.

X   X   X

CIRCULOU a edição de "Geografia Ilustrada" dedicada ao Piauí. Dados do último recenseamento (1970). Triste o quadro de miséria desta província: "O volume da população rural sobrecarrega o setor primário (agricultura). Em conseqüência, a produtividade descresse. Além disso, devido à baixa remuneração tôda essa gente vive a um nível praticamente de subsistência, pouco participando do mercado consumidor".

Eis a fisionomia: povo que come mal, que mora mal, que nada ganha. Povo que vai dar-se o luxo de possuir um estádio de luxo, para sessenta mil pessoas, em Teresina. Só o terreno para tal elefante sobe a quinhentos mil contos. Comprado de um deputado federal. O projeto encheu o papo de uma firma de Belo Horizonte: custou mais de seiscentos mil contos. Dinheiro haja para o fachadismo.
Copio da revista a que me referi: "A baixa produtividade da lavoura faz com que os lucros do trabalho agrícola não sejam suficientes para possibilitar maiores investimentos". E no mesmo capitulo: "O nível da economia reflete-se na participação do Piauí na renda do Nordeste: três e meio por cento em 1967, a menor de todos os estados da região".
Mas o governo está queimando etapas. Desenvolvimento À vista. Está o desenvolvimento viajando em avião tocado a jato. O desenvolvimento mostra-se másculo, tanto que o Piauí vai edificar estádio de bilhões velhos.

Continuarei amanhã.



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 4, 08 dez. 1971.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (176)

ESCREVE-Me assim Tarciso Prado, com data de 12-11-71: "Tito Filho. Sou seu fã incondicional e ouvinte assíduo. Por isso mesmo lhe escrevo para perguntar a razão por que tem silenciado em tôrno dos romances de O. G. Rêgo de Carvalho, considerado em São Paulo, pelo arguto crítico Homero Silveira, como um dos maiores romancistas do Brasil, no momento, superior, talvez, a Jorge Amado e a Érico Veríssimo, e para mim, sem dúvida, o maior romancista não do Piauí, mas de todo o Brasil". OBSERVAÇÃO. Tarciso representa, no meu espírito, uma consagração. Consagração de inteligência, de sinceridade, de talento. Não esqueço o triunfo em Fortaleza. Triunfo da peça "Lampião". Tarciso, Ary Sherlock lecionando representação teatral no "José de Alencar", Gomes Campos, o autor da peça, enricado de fama. O negócio foi o seguinte: o professor Campos escreveu a peça, ensaiou-a, levou-a ao palco no Colégio Diocesano. Aplausos. E a peça poderia apresentar-se noutra cidade brasileira? Seria vaiada? Organizou-se corpo de jurados para decisão. Dêle participei. Os cinco primeiros juízes manifestaram-se contra. Vaia na certa. Falei como sexto. Defendi a peça. Considerei-a mensagem social. Sétimo juiz: Têrmes Resende. Solidarizou-se comigo Gomes Campos, exigiu que eu fôsse a Fortaleza. Seria, como fui, o apresentador de "Lampião" ao público. Resultado: conteúdo e interpretação aplaudidíssimos. O Piauí renunciava ao mêdo. Agora Tarciso pratica contra mim uma injustiçazinha. Acusa-me de silêncio com relação aos triunfos literários de O. G. Rêgo de Carvalho. Nunca dos nuncas. Em programa radiofônico e nesta coluna tenho divulgado notas elogiosas ao romancista piauiense, de quem recebi os dois últimos romances. Acontece que ainda não os li. Iniciei leitura de um - leitura meditada. Depois da leitura, sairá a crítica. Tarciso, com a carta, mandou-me a opinião de Homero Silveira, a seguir transcrita, integralmente:

O Autor é piauiense. Já publicou dois outros romances - "Ulisses entre o Amor e a Morte" e "Rio Subterrâneo". Oeiras, seus velhos sobrados, suas ruínas, o rio, as árvores são personagens tão vivos como os humanos. E no meio dêles, o Autor, uma das personalidades mais marcantes do Piauí, dono de uma sensibilidade estranha e multiforme, de uma linguagem penetrante, um estilo que não se iguala a nenhum dentro da moderna ficção brasileira. Não é o Rio nem tão pouco São Paulo que possuem um dos maiores romancistas do Brasil, neste momento. É o Piauí, êsse distante e ignorado Piauí, pobrezinho e desprezado entre os Estados do País. Nem mesmo a Bahia com Jorge Amado. Nem o Rio Grande com Érico Veríssimo. Exageramos? Então é preciso ler Orlando Geraldo Rêgo de Carvalho. Nós o vamos acompanhando desde o seu primeiro romance, que nos causou grata impressão. Passamos, recentemente, pelo seu enorme "Rio Subterrâneo", que nos deu um dos maiores impactos de nossa já longa carreira de crítico literário. O estreante de "Ulisses entre o Amor e a Morte", nesta altura um escritor feito, preocupado com a vivência estranha de uma porção de adolescentes marcados pela dor, as incertezas e as angústias, em "Rio Subterrâneo" ultrapassou-se. Êste é o mais desesperado livro que já se escreveu no Brasil. Denso, profundo, nervoso, revolvendo íntimas perplexidades, todo movimentado num clima tenso de neurose, quando não de loucura franca, ficará em nossa ficção ao lado do que escreveu, por exemplo Lúcio Cardoso, êsse incomensurável Lúcio Cardoso. Mas não ficará apenas como companheiro porque Rêgo de Carvalho é da família de Kafka, de Dostoiévski e de quantos escritores subterrâneos por aí andaram derramando suas perplexidades e angústias íntimas. Custa crer que viesse do Piauí um Autor assim. "Somos todos inocentes" continua a saga dêste esquisito piauiense. É sempre a velha Oeiras com suas tempestades, seus casarões penumbrentos, seu rio e o grande sobrando cheio de tragédia que impõe a temática dominante. É o Piauí antigo, preconceituoso, afogando sentimentos, distorcendo as almas, criando neuroses inconfessáveis. A solidão, as mágoas que não dizem se aí estão sempre presentes. Só que desta vez Rêgo de Carvalho resolveu mudar de rumo na sua maneira tão peculiar de contar as coisas. Continua narrando excelentemente, prendendo pela originalidade, pela trama bem composta. Mas já não mais resolve com aquela acuidade quase impiedosa o íntimo atormentado de suas extraordinárias criaturas. Os dramas existem. Permanecem as incertezas extenuantes. O clima sombrio da velha Oeiras aí está com o famoso sobrado. Só que as personagens não mais se movimentam naquele tenebroso e fascinante ambiente de psicose e pasmo. São mais simples, talvez mais humanas. Domina-as em lugar do subconsciente escuro e estranho - fonte de tôdas as angústias - o instinto naquele misto de sensibilidade animal e imediata, própria das pessoas primitivas, sem grandes lances íntimos, sem problemática. Novelesca, a narrativa flui correntia, quase linear. Bem comportada, por vêzes bem comportada demais. Continuamos admirando O. G. Rêgo de Carvalho. É ainda e sempre o maior narrador do Piauí e um dos maiores do Brasil. Por uma questão de gôsto, nós que somos essencialmente dostoievskianos e que nos sentimos atraídos pelos poetas possessos e malditos, pela problemática profunda, a narrativa mágica, preferimos "Rio Subterrâneo" a "Somos todos inocentes". "Rio Subterrâneo" propõe uma tese e a demonstra com perigo para a própria integridade mental de seu Autor. É um livro corajoso. A narrativa por vêzes se perde em meados escusos. Tende ao caótico. E é precisamente aí que o grande narrador se afirma com tôdas as qualidades pessoais, inconfundíveis dentro da temática brasileira quase sempre realista quando não naturalista, sociológica, pairando na superfície das coisas, sem nenhuma densidade, quase diríamos subdesenvolvida. O. G. Rêgo de Carvalho em "Rio Subterrâneo" afrontou a temática profunda, existencial. Tendeu para uma atmosfera francamente psicótica, a ponto de correr o perigo de sua própria desintegração mental. Por isso mesmo é grande. Não tem paralelo na literatura brasileira contemporânea a não ser ao lado de Lúcio Cardoso e de Breno Aciólo, aos quais ultrapassa em certo sentido. Está em preparo nôvo romance cujo título já se anuncia: "Era noite, Afonsina". Queremos crer que obedeça mais à nova orientação que seu Autor adotou e não à anterior de "Ulisses" ou "Rio Subterrâneo". Ganhará o Autor maior número de leitores, evidentemente. Os brasileiros não estão afeitos ao romance psicológico, à temática profunda. E para a estabilidade emocional do Autor também acreditamos que seja até salutar. Aguardamos o nôvo romance. E enquanto aguardamos, vamos ler O. G. Rêgo de Carvalho. Êle redime as nossas leras dessa enxurrada de coronéis e lobisomens que infesta a literatura dêstes últimos tempos e nos faz esquecer a borracheira de CEM ANOS DE SOLIDÃO".



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 3, 1 dez. 1971.

CADERNO DE ANOTAÇÕES (175)

NÃO VI AINDA uma só das aldeias italianas perto de Nápoles. Mas amo-as na alegria da sua gente pobre, da sua gente quente, expansiva, extrovertida. É verdade que a gente pode admirar o que não viu, mas que se conhece por através da leitura. Quem não estima as pequenas comunidades portuguêsas, simples, cheias de verde, moçoilas fornidas de carne, vestidos quase no tornozelo? E Lisboa das noites do fado, das peixadas suculentas, motoristas educados, onde nasceram os nossos avós safados da colonização? E uma cidadezinha da Islândia, país minúsculo, sem problemas? Estou em que amamos o distante pelo que o distante nos comunica de beleza, de simpatia, de calor humano. Não estive em Mogi das Cruzes, São Paulo, até hoje. Sinto-me, porém, como se com ela houvesse convivido, no entusiasmo, no ideal dos seus homens ilustres. Lá reside Inocêncio Candelária, coração vibrante, espírito iluminado, ganhador de prêmios literários, poeta, educador, conferencistas, crítico. Lá nasceu Mello Freire, individualidade que Mogi alteia pela extraordinária dedicação às letras. De Mogi recebo presente principesco, que me manda Inocêncio Candelária: "Coletânea Mogiana", com excelentes apresentações do correto intelectual Edgard da Silva e Costa e de Candelária. Esse rico florilégio foi organizado pelo professor José Veiga, crítico ilustrado, pois a inteligência do crítico bem se revela na escolha do material antológico. Li, com vivo entusiasmo, "Coletânea Mogiana", e fiquei certo de que Mogi das Cruzes representa, na paisagem paulista, extraordinária atividade literária, que muito a projeta na admiração de outros pedaços brasileiros. Quantos talentos nessa antologia. As notas biográficas fazem que o leitor configure cada intelectual no plano social e humano, também. Obra de mérito. Farto material literário. Desfile de homens de pensamento: Nicanor Paraguassu (jornalista e creio que bom cronista), Inocêncio Candelária (homem-plural), Botyra Camorim (poetisa mística), Benedito Barbosa Sobrinho (contista de muito fôlego), Davi Marques (de poesia amarga, pessimista), Elza Meirelles Chola (poesia contra a angústia da vida), Maria da Graça Tavares Cogonhesi (lírico-amorosa), João Evangelista do Nascimento (poema do destino do homem, de muita eloquência), José Feigol Guil (poesia-sentimento), Darcy Albernaz (mensagem poética de ironia contra os ridículos), Euclydes Bauer Barbosa (cronista, seguro narrador), Benedito Xavier Pinheiro (poeta de ternura e sentimento), Samuel R. Freire (lirismo-encantamento, no verso como na prosa), Alba Ferri (fixadora de paisagens humanas), Paulo Ferrari Massaro (rico de ternura nas cantigas), Darcy Seraphim (lírico), Walter Rodrigues de Aguiar (alegre, trovador de boa cepa), Aziz Ansaral Rizer (prosa vivaz), Maria Helena Rizek (poesia-incredulidade), Edgard da Silva e Costa (primoroso cronista), Nyrle Freitas Andery (prosa sentimental), Nyssia Aparecida da Freitas Meira (poetisa notável na interpretação do drama do Calvário), Antônio Ferreira da Silva (poesia filosófica da incerteza), Alba Maria Ferreira da Silva (notável na fixação dos quadros da civilização dos tempos que correm, juventude sem horizonte, guerra, a máquina fabricando angústia), Miguel Ribeiro de Andrade (poesia-paixão), Olavo Aparecido Câmara (cultor do apólogo), Neusa Kazuyo Yoshida (lírica), Roberto Angelini (lírico), Rosa Maria Alves Soares (poesia-humanidade), José de Moura Santos (excelente cronista de episódios históricos), Olga Duarte Nóbrega (poesia-educação), Roberto Monteiro (crônicas ligeiras, de saborosa ironia), Maria Eunice Borini Strazzi (poesia profética: a solidão do homem - a solidão que está chegando), Manuel Sanchez Grilo (religiosidade e saudade), Moacyr Wuo (cantiga de amor perdido), José Mary Negrão (poesia didática), Guilherme José de Matos (poesia social, grito contra os desumanos), Paulo de Tarso Brasil (de variada e rica inspiração), Carlos da Silva Tupiniquim (versos de alegria e de confôrto), Elisabeth Salgado Martins (ritmo, muito ritmo), João Raphael de Lara Netto (poesia-súplica), Walkyria Coelho Bourg (contista, estilo gracioso), Luiz de Castro (poesia-sentimento), Alfredo de Paula Pereira das Neves (inspirada poesia de exaltação a Luther King), Ary Silva (canto da saudade), Ângela Maria Paiva (posia de ternura), Isaac Grimberg (prosa cívica), Esther Angra Leite (poesia-sofrimento), Glauco de Lorenzi (concepções de poesia filosófica, ensinamentos para a vida), Roberto de Lorenzi (poeta-filósofo), Iracema Brasil (mística, de profunda religiosidade), João Francisco de Melo Colella (canto de paz, de amor, condenação da guerra e da maldade, vibrações cívicas), Waldomiro Pereira da Silva (poesia-bondade), Walter Gomes Amorim (narrativa correta, cheia de humor), Luiz Cesar Veiga (lírico do sonho) e José Veiga (lírico da paisagem doméstica).    




In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 2, 11 dez. 1971.

CADERNO DE ANOTAÇÕES (174)

Com a transcrição desta crítica de Santos Stockler, publicada no jornal "Beira Baixa, de Portugal, homenageio, hoje, o talento de Hardi Filho. Eis o artigo do ilustrado crítico português:

"Gruta Iluminada é já em si um título que tem um certo ressaibo a poesia, embora nem sempre os títulos correspondam ao valor dos textos. Mas, desta vez a coisa está correta, pois logo que haja luz dentro de uma gruta, é sinal de que existe lá vida. E onde haja vida, há poesia, se bem que também haja vida, há poesia, se bem que também haja vida numa natureza morta, mas nunca em tôda a poesia considerada 'viva' dos nossos dias.

E onde está essa poesia? É precisamente isso que se torna necessário ao crítico apontar, pois que dizer 'esta obra não tem nada a ver com a poesia', sem se apontar o porquê dessa afirmação, é muito vago, como vago é também, se acaso não constitui êrro maior, um crítico receber uma obra para análise e, só por que o autor não é do grupo, ou por qualquer outra circunstância, ou mesmo por mera 'birrinha' pessoal, como tântas vêzes já tem acontecido, êsse crítico atira com a obra para a fogueira do ferro velho da sua rua, não é de um crítico considerado honesto, uma vez que tôdas as obras têm o seu valor relativo e tal como as obras dos consagrados, essa edição também custou dinheiro - na maior parte dos casos ao pobre do autor, pois que os autores portuguêses são quase todos pobres, embora alguns aparentem alimentar-se da raiz da árvore literária...

Pouco importa, depois o que alguns venham a dizer dêsse crítico, uma vez que êle se considera senhor da fatia maior e, uma vez assim, depressa arma aos pardais da sua zona.

E como a crítica é, quanto a nós, (ou não será mesmo?) uma coisa honesta, nós temos de provar que realmente existe mesmo poesia em quase tôda a Gruta Iluminada. E como fazê-lo, sem que depois a 'abelha, mestra' nos espete o seu ferrão? Muito simples: descer até ao último palmo da gruta e, através da luz que nela encontramos, vamos vendo, palmo a palmo, todo o espaço, o que neste caso é tôda a poesia que lá existe dentro.

Ora, foi precisamente isso mesmo que nós fizemos: lemos a obra, poema a poema, página a página, isto é, do primeiro ao último poema da obra, saboreando, demoradamente, novamente poema a poema, a luz poética que cada um dêsses poemas contêm. E assim achamos a poesia contida nesta obra de Hardi filho.

Contudo não iremos aqui dizer aos leitores (e nem aos críticos do mesmo ofício) que a Gruta Iluminada é uma obra prima da moderna poesia brasileira, mas, apenas, (e isto é que tem validade, por ser honesto!) que há nesta obra [de] poesia, ou melhor, que o seu autor sabe perfeitamente aquilo que faz e o caminho que segue, já que, segundo a nossa modesta opinião, Hardi Filho já nasceu com o dom da poesia dentro dêle. E a quantos duvidarem da nossa opinião, pois que não nos consideramos infalíveis e nem mestres da arte de poetar, apenas nos limitamos a dar-lhes êste conselho: leiam a obra e depois então digam coisas, que nós teremos muito gôsto em aprender aquilo que não sabemos.

Mas antes disso, meditem nas palavras que abaixo transcrevo, pois que estas, agora, não são da nossa lavra, mas sim da autoria de José de Arimathéa Tito Filho, um nome que merece a consideração e o respeito dos mais considerados da Literatura Brasileira:

Hardi Filho é a vocação real de poeta, bem revelada nesse livro de verso de boa água, dedicado mais aos tristes, Cinzas e Orvalhos, indicado pela Academia Piauiense de Letras ao Prêmio Celso Pinheiro - Concurso Literário da Prefeitura de Teresina - 1963. Só as coisas simples o comovem, com suas mensagens inquietantes. Sua poesia é a contemplação onde permanece, em absoluto abandono, como se não precisasse do confôrto humano. Tem êle o gôsto da solidão. Personalidade forte, espírito direito, tudo nêle é claro como paisagens dos trópicos. De apurada experiência intelectual, Hardi escreveu livro rico de língua inspiração poética, que tanto enobrece as letras piauienses. Obra que aproxima a alma dos outros para a compreensão dos desencantos do mundo".



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 7, 10 dez. 1971.

CADERNO DE ANOTAÇÕES (173)

DE MAREDA BOGADO: "Niterói, outubro, 1971. Arimathéa. quantas cartas agradáveis me fêz sem que eu pudesse abraçá-lo em agradecimento. Saiba que me fizeram muito bem sentir... Se descabidas ficam por sua conta o êrro e o ônus. Mando-lhe o fluminense José Cândido de Carvalho. Espero que seja um prazer que você conheça O CORONEL E O LOBISOMEM. Há referências no texto ao gado do Piauí. Acredita numa possível extensão do pastoreiro daí até nós? Por Minas, talvez. Vale a pena verificar". Observação. Mareda Bogado é tipo inesquecível. Alegria contagiante. Adoça as horas da vida de qualquer de nós. Parece tecida de bondade. Aqui estêve em janeiro de 1971. Mensageira do Instituto Nacional do Livro para curso de biblioteca. Conquistou discípulos. Fêz de cada coração teresinense uma amizade. Dela recebi "O Coronel e o Lobisomem", obra-prima do romance nacional escrita por José Cândido de Carvalho. História do coronel Ponciano de Azevedo Furtado, contada pelo próprio Ponciano - que ingressa na galeria das personagens do romance brasileiro como Vasco Moscoso de Aragão, de Jorge Amado, isto é, na qualidade de tipo completo, bem desenhado, nítido, íntegro. Ponciano pertence a uma aristocracia rural decadente. Sensível e simpático. Rábula também. Vaidoso e honesto. Semelha herói quixotesco. Lutador contra as próprias criações de sua imaginação prodigiosa. Livro sem defeitura, ricoso de novos processos de derivação vocabular, como invencioneiro, cativoso, desbenefício, pormenorizagem, trafegação, brincativo, tristento, desimportante, desconsentir, recatosa, maridanca, mimosura, suspirento e tantos outros. No tovante à pergunta de Mareda Bogado: creio que o gado do Piauí foi elemento de comunicação com Minas, o Estado do Rio, com o Rio Grande do Sul. Há um livro gaúcho - "O Boi das Aspas de Ouro" - em que os têrmos do pastoreio muito se identificam com os dos vaqueiros do Piauí.

X   X   X

DE FRANCISCO Alves de Castro, Diretor Cultural da Associação Recreativa Cepisa, em ofício de outubro de 1971: "Professor. Estamos remetendo a V. S. um número do nosso jornalzinho INFORMATIVO 70, que há mais de ano está em circulação mensal, no nosso meio interno. O nosso objetivo é participar com o leitor e torná-lo ciente do que participamos. É claro que desejamos, cada dia que se passa, tornar-nos mais comunicativos, mas nos falta orientação. Diante do exposto gostaríamos de ter a opinião de V. S. a respeito da utilidade do INFORMATIVO e orientação para torná-lo melhor. Informamos-lhe que no mês próximo passado foi eleita nova diretoria para os destinos da Associação Recreativa Cepisa. E agora nos empenhamos numa campanha de doação de livros para a nossa biblioteca, mas não sabemos, ainda, quais os órgãos que fornecem livros grátis. Caso V. S. queira ajudar-nos, ficaremos muito agradecidos. E nesta oportunidade, enviamos a V. S. votos sinceros por esta data de hoje dedicada aos mestres". Bem redigida, bem orientada a publicação. Muito apreciei. No momento em que tantos são fúteis e vivem de festocas e festanças, inclusive o govêrno, conforta sentir que alguns são sérios e querem ser úteis à educação. O "Informativo 70" merece aplausos. Assentaria eu que melhor há de ficar com a experiência, com a divulgação de processos de trabalho, com a estampação do que realiza a CEPISA em benefício da coletividade. A verdadeira convivência está na realização de atividades sérias, culturais. Esta a convivência da estima e do respeito. No Brasil existe uma entidade que distribui livros: Instituto Nacional do Livro, Palácio da Cultura, Estado da Guanabara. Dirige-o escritora talentosa, Maria Alice Barroso. De mim, farei doação de algumas obras à Associação Recreativa Cepisa, com grande prazer.

X   X   X

DA GUANABARA, com data de outubro de 1971: "A família Taumaturgo de Azevedo cumprimenta-o e agradece-lhe em memória do Marechal Gregório Taumaturgo de Azevedo".

X   X   X

Dia 24 do corrente, em carta do professor Benedito de Castro Lima, saiu, nesta coluna, COMPRIMENTOS. O sentido da frase revela fàcilmente que se tratava de CUMPRIMENTOS. Também escrevi BALZAC e se estampou BALZÃO. Que diabo!

X   X   X

COM MUITO atraso, registro o gesto aplaudido do Anexo Duque de Caxias, do Colégio Zacarias de Góis, comemorativo do vigésimo sexto aniversário de criação da Organização das Nações Unidas. Fiz palestra para os estudantes do educandário. Iniciativa do Centro Cívico Escolar "Aurino Nunes". Parabéns a diretora Antônia Siqueira Soares.

X   X   X

Li "Os pastores da Noite", de Jorge Amado. A malandragem noturna de Salvador. Amor nas praias. Marafonas. Coronéis. Digo e redigo: Jorge Amado vale por "Terra do sem fim", por "Os velhos marinheiros", por "ABC de Castro Alves". O resto é repetição. Sim, quase me esqueço: vale por "Capitães da Areia". O resto não tem conteúdo. "Terras do sem fim" é portentoso documento da conquista da terra do cacau.

X   X   X

Manual curioso escreveu Cornel Lengyel: "Presidentes dos Estados Unidos". Traços biográficos e principais atividades de cada um no exercício da primeira magistratura.

X   X   X

Para compreensão do jornalismo moderno, torna-se obrigatória a leitura de "As novas dimensões do jornalismo", de mestre Celso Kelly.



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 3, 26 nov. 1971.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (172)

NUM estilo leve, gracioso, pleno de harmonia, expressão correta, Heli Menegale - escreveu contos de entretenimento e suavidade, mensagens de fé na grandeza do amor de Jesus. Encanto de originalidade êste A PORTA DO PARAÍSO. O burrinho do presépio, brincalhão, "o mesmo que trouxera Maria, de Nazaré a Belém, e o mesmo que a levaria, com o menino ao colo, na fuga para o Egito". O primeiro milagre de Jesus, a conversão dos salteadores, a história do centurião degolador de criancinhas, a mando de Herodes, o rei que não quis salvar-se, e finalmente a lágrima do menino ante a figura em que se enforcou Judas - agora figueira morta e estéril - são páginas fecundadas de inteligência e de bom gôsto literário. Merecem [ser] lidas.

X   X   X

EM FEVEREIRO de 1966, escrevi carta-prefácio do livro O PIAUÍ no FUTEBOL, do vibrante Carlos Said, sujeito professor de entusiasmo e vero conhecedor do esporte chamado bretão. Nesse documento escrevi: "Disse-lhe que de futebol conheço o nome inglês e a fama de Pelé, para significar o meu leiguismo na técnica, nas normas, nos métodos dêsse desporto das multidões, orientadores de posições e jogadas, de arbitragens, de preparação física e espiritual dos homens do campo. Mas não o desamo, nem sou alheio às emoções das grandes pugnas futebolísticas". Adiante acentuei: "Érico Veríssimo conta que observou curiosa predileção do mexicano de rua pelos fogos de artifício, principalmente pelo foguete e pelo busca-pé: tanto um como o outro - diz o romancista gaúcho - têm dois predicados que o mexicano admira do funda da alma - são ambos explosivos, chispantes, coloridos. Assim como nas festas do México (digo eu), no futebol do Brasil: o que às vêzes dá impressão de alegria, é fúria, o que parece contentamento é violência. como tourada na terra de Juarez, futebol no Brasil semelha UMA REVOLUÇÃO, UMA EXPLOSÃO, UMA VÁLVULA DE ESCAPE PARA A VIOLÊNCIA REPRIMIDA - uma atitude bovárica irreversível, um protesto da angústia, uma fuga da realidade, uma forma de evasão". Admirável esta observação psicológica a respeito do futebol. "Quem observa de longe... a multidão a gritar, a dançar, no meio da explosão dos foguetes, tem uma impressão de alegria. Mas não nos devemos iludir. Se a floresta é alegre, as árvores são tristes". Realmente, as árvores são tristes, embora se mostrem ruidosas, como que porejando alegria. os gritos representam a fuga, a evasão da realidade. Ou o processo pelo qual cada ÁRVORE procura fugir da angústia. Os estádios gigantescos nada conferem ao povo grávido de problemas. Assim, o Albertão, monstruosidade que se alevanta na chapada para fantasiar de rica, de tranquila uma coletividade paupérrima, insultada por gravíssimos problemas. Antes de ser iniciado, já que se queimaram com êsse elefante branco quinhentos mil contos, em compra de terreno a um deputado federal, e mais seiscentos e quarenta mil contos pelo projeto, dados a felizarda firma mineira, escolhida ninguém sabem como. A dedo. Soube que houve até coquetel-churrasco por conta do govêrno. Festejamento do futuro estádio. Comes e bebes, sinal de fartura num aterra em que se angaria, se pede contribuição para o NATAL DOS POBRES. E os pobres receberam a ceia de Natal: meio quilo de arroz, um pedaço de sabão, meio quilo de açúcar. O prefeito Joel andou distribuindo pipocas. O Albertão será o símbolo caboclo do progresso, da civilização, da riqueza. Que Deus o tenha na sua glória.

X   X   X

EXPRESSÕES bem conduzidas escreveu José Joaquim Monte, recém-formado pela Universidade do Ceará, para definir as responsabilidades do médico e a missão social da medicina.

X   X   X

O ARGUTO colunista Dário Macedo, jornalista aplaudido, de leitura obrigatória, publicou o seguinte em "Tribuna do Ceará", edição de 20.12.71: "Depois de anos de estagnação, o Piauí com Alberto Silva ao leme começa a percorrer os caminhos do progresso e do desenvolvimento. E se apresenta hoje aos olhos da Nação com uma imagem inteiramente nova. tudo ali está em transformação, mesmo o calor". E um pouco adiante sustenta o confrade: "Hoje, em Teresina, há numerosos escritórios, repartições públicas, hotéis, cinemas com aparelhos de ar condicionado". OBSERVAÇÃO. Embora bem intencionado, o colunista não deve atribuir dons sobre-humanos ao governador Alberto Silva, que passou a TRANSFORMADOR DO CALOR do Piauí. Quando Alberto chegou a Carnaque, encontrou o gabinete governamental dotado com AR ACONDICIONADO (escrevi ACONDICIONADO). Quando o Piauí se libertará dêsses registros que o cobrem de ridículo na compreensão dos patrícios de outras terras?

X   X   X

DE Luís Pereira da Silva, com data de 4.12.71: "Prezado Mestre. Dou um ouvinte assíduo e admirador incondicional do seu programa, que é levado ao ar de segunda a sábado na nossa querida Rádio Difusora, às 22 horas. Já escrevi várias vêzes para êsse programa e, naturalmente, sempre fui atendido satisfatoriamente. Hoje, portanto, volto a utilizar-me dêle para, com o tesouro de sabedoria com que êle é apresentado, tirar dúvidas quanto às seguintes questões". Em seguida, o missivista indaga a respeito de vário assunto. Eis o primeiro: "Qual a origem das palavras AMAZONAS e AMAZÔNIA? Sabemos que há a região da AMAZÔNIA e o ESTADO do AMAZONAS. Por que êsses dois nomes?" RESPOSTA. A mitologia fala das AMAZONAS, mulheres guerreiras da Ásia-Menor, e de lá expulsas. Alguns contam a fábula - aliás muito reproduzida pela gente amazônica. Admite-se que Orelana encontrou mulheres guerreiras nessa região do Brasil - e em razão disto deu ao grande rio o nome de Amazonas. O velho latim - assegura Xavier Fernandes - possuiu AMAZON, "mulher que carece de um peito". As amazonas eram guerreiras. Para que conseguissem mais agilidade na guerra, "queimavam ou cortavam o seio direito". Pela origem, AMAZONAS (singular) significa SEM SEIO. Por extensão: MULHER SEM SEIO. No poeta Horácio há referência a essas mulheres belicosas: "Amazonia securi dextras obarmet" (arma os braços com os machados das Amazonas). O nome Amazonas batiza o ESTADO das Amazonas e o Rio das Amazonas. Quando se faz referência ao Estado, diz-se ou escreve-se Estado do Amazonas. Há aqui ideia do Rio. Estado do (rio) Amazonas. A expressão RIO DAS AMAZONAS converteu-se em RI OAMAZONAS, com elipse da proposição. Mas tanto faz dizer Rio Amazonas, como Rio das Amazonas. No latim - ensina Silveira Bueno - podia dizer-se: URBS ROMAE (cidade de Roma) e URBAS ROMA (cidade Roma). No primeiro caso, houve construção com genitivo. No segundo caso, ROMA é apôsto. Tanto faz que se diga RUA DE RUI BARBOSA como RUA RUI BARBOSA. A região, que envolve o Estado do Amazonas e outras zonas naturais, tem o nome de AMAZÔNIA. [apagado no original] a palavra com o sufixo IA, o mesmo que aparece na formação de Lusitânia (de Lusitani) e de Germânia (de Germani). Os outros assuntos do missivista, mostra oportunidade.



IN: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 6, 28 dez. 1971.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (171)

LIVRO de caracterização de tipos bajuladores, engrossadores, chaleiras. Puxa-sacos: "Puxa-saquismo ao alcance de todos", de Nestor de Holanda. Se Nestor vivesse em Teresina, nos dias atuais, encontraria tipos para uns dez volumes, no mínimo, pis Teresina-1971 brevemente realizará concurso de puxa-saquismo. Há os de variada tonalidade. Oficiais, técnicos, graduados, amadores. Alberto Silva pode confirmar o que afirmo. E sabe o governante que não existe animal mais sórdido do que o puxa-saco. Nestor de Holanda teve a intenção de mostrar como homens e mulheres podem doutorar-se em puxa-saquismo. Teresina não tem necessidade de ler a cartilha de Nestor. Aqui o puxa-saquismo é instituição.

X   X   X

FIZ leitura de "A vagabunda", de Colette. Romance-documento: vida dos cafés-concêrto parisienses. As angústias e as misérias dos artistas dêsses ambientes.

X   X   X

OBRA curiosa e instrutiva: "Férias sôbre um tapete mágico", de Têmis Alves Ribeiro do Amaral. Viagem turística: Lisboa, Sevilha, Granada, Madri, Roma, Nápoles, Pompéia, Cápri, Veneza, Genebra, Colônia, Bruxelas, Londres, Paris. Experiências e observações. Para completar o roteiro turistico, faltou apenas o Piauí - o turismo do Piauí - a zona do meretrício da Paissandu, a coleção de buracos de Teresina, o pôr-de-sol da Serra dos Matões, o restaurante da praia de Luís Correia, a maqueta do Albertão, o futuro jardim zoológico do Secretário da Agricultura, a fábrica de tuberculosos (cem por mês), a piscina suspensa do Hotel Piauí, a linda cidade de Itaueira, os periquitos das Sete Cidades, as praias alvíssimas do Rio Poti, o prodígio da ponte do Parnaíba - ligando Teresina a Timon - como a ponte que liga miolo de Nova Iorque ao bairro do Brooklin. E o folclore da Secretaria de Educação. O livro de Têmis está incompleto: falta-lhe, por exemplo, a obra do Projeto Piauí no Parque Piauí, capital de baratas e de ratos. Falta-lhe o roteiro turístico da PIEMTUR.

X   X   X

ÚLTIMO domingo, a Academia Piauiense de Letras prestou homenagem simples a Deolindo Couto, professor universitário, cientista de nomeada, membro da Academia Brasileira de Letras. Pronunciei discurso no dia em que Deolindo tomou posse na Academia Piauiense de Letras. Na oração, mostrei o quadro da angústia universal, atormentadora do homem e da mulher, fugitivos da realidade, levados à neurose e ao marginalismo - e acentuei que o homem e a mulher que sofrem têm disso a preocupação do grande médico piauiense, na clínica de Neurologia e nas lições magistrais - os sofredores humanos cujos males devem ser dominados pelo aperfeiçoamento dos processos de vida social. Na homenagem a Deolindo, ouviu-se magnífico recitativo do poeta Luís Lopes Sobrinho, recentemente eleito para a Academia Piauiense de Letras.

X   X   X

COPIO esta nota publicada em jornal da terra. Assina-a inteligente confrade de imprensa: "Cocal foi o município mais desprezado pelos governos anteriores. No ano passado a cidade contava apenas com um grupo escolar, o qual o prof. Tito Filho, então Secretario de Educação do governo Clímaco, em visita ao município, encontrou-o em estado precário de funcionamento, o qual ordenou imediata derrubada, sem jamais ordenar a construção de outro". OBSERVAÇÃO. Realmente, ano passado, visitei a cidade de cocal. Ali estive no grupo escolar, de nome José Basson. Essa unidade escolar não se encontrava em estado precário. Funcionava regularmente. Mobiliário de madeira, já velho, é verdade. O grupo reclamava ampliação. Não mandei derrubá-lo. Êle lá se encontra. Necessitava de ampliação. Mais duas salas de aula. Deixei verba para tanto. Nunca determinei a demolição de nenhuma unidade escolar do Piauí. Interditei duas delas: uma em Piripiri, outra em Barras. Grupos sujos. Chiqueiros. Consegui, porém, recuperá-los. Tornei-os saudáveis, como novos. 



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 3, 27 nov. 1971.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (170)

DE FÉLIX AIRES, do Rio, com data 9.11.71: "Prof. Tito Filho. Fazendo parte da atual presidência da Federação das Academias de Letras do Brasil, na qualidade de um dos seus secretários, representando a Academia Maranhense de Letras, combinei com o desembargador Cristino Castelo Branco, colega das sessões aos sábados, solicitar que V. exa. apresente, caso seja de sua vontade e da vontade da Academia Piauiense de Letras, o nome do acadêmico Bugyja Britto, advogado, poeta e jornalista, funcionário da Fazenda Federal, para preencher uma das vagas de representante da Casa de Lucídio Freitas nesta Federação, como êle próprio o deseja. O nobre amigo poderia aproveitar a oportunidade e enviar também os nomes de mais dois delegados piauienses, a fim de preencher os três lugares contanto que residentes no Rio". OBSERVAÇÃO. Já efetivei a indicação de Cristino Castelo Branco, Martins Napoleão e Bugyja Britto como representantes da Academia Piauiense de Letras junto à Federação das Academias de Letras do Brasil. Agora, um apêlo a Alberto Silva. Apêlo em favor das letras piauienses. Ano passado, tive a satisfação de hospedar, duas vêzes,na humildade de minha residência, o poeta Félix Aires, brasileiro que divide o imenso coração entre o Piauí e o Maranhão. Félix organizou, aqui, antologia completa de sonetistas piauienses. Mortos, vivos, conhecidos e desconhecidos. Trabalho de muitos dias e de muitas noites. Traços biográficos e produção poética de cada qual. Excelente critério crítico de escolha dos mimos literários. E dizer que Félix regressou ao Rio sem que obtivesse solidariedade para publicar o rico florilégio. Deoclécio Dantas fêz o que pôde. De mim, ajudei Félix quanto pude, inclusive no estafante esfôrço de revisão das notas biográficas e dos sonetos escolhidos. No momento, Alberto Silva tem oportunidade de prestar legítimo e valioso serviço às letras do Piauí. Está no dever de autorizar-me a publicação da antologia de Félix, que quer apenas quinhentos exemplares. O restante da edição será distribuído pelo Piauí a colégios e instituições culturais. Aguardo a palavra de ordem de Alberto Silva.

X   X   X

Todo o universo de Balzac ("A Comédia Humana" - oitenta e oito romances e novelas) está na obra-síntese de Paulo Rónai - "Balzac e a Comédia Humana". Êste livro abre caminho a quantos queiram aprender o sentido da obra balzaquiana. Balzac mostrando que a honestidade para nada serve, e que a corrupção representa uma fôrça porque o talento é raro. A corrupção vale a alma da mediocridade. Balzac é a França, sobretudo é Paris - Paris a que, segundo êle, melhor do que em qualquer outra parte a vida se resume numa eterna luta de instintos, mal disfarçada pelas formas polidas da civilização.

X   X   X


COMEÇO dêste 1971, li seguro ensaio de Celestino Sachet, com o título de "Fundamentos da Literatura Catarinense". No ensaio, que comentei nesta coluna, há referências a Péricles Prade, escritor (contista e poeta) mergulhado no surrealismo policial-literário. Recentemente recebi carta de Péricles, acompanhada da sua última produção intelectual. A carta reza: "Tito Filho, obtive com o Secretário da União Brasileira de Escritores de São Paulo o teu enderêço para a remessa do livro OS MILAGRES DO CÃO JERÔNIMO. Se, porventura, fôr honrado com qualquer manifestação crítica, peço a gentileza de me remeter o recorte". OBSERVAÇÃO. Estou efetuando a leitura para posterior apreciação.

X   X   X

CARTA honrosa, que publico a pedido do signatário: "Professor. Tomando conhecimento, pelo rádio, de seu aniversário natalício, venho com o mesmo espírito de amabilidade que você sempre cultivou em benefício dos seus companheiros e amigos, trazer-lhe os comprimentos de muitas felicidades e repetidos triunfos. Gostaria de ser mais capacitado no pronunciamento da gramática para dizer de público algo a respeito do seu atrativo e dedicioso programa que vem fazendo, diáriamente, pelo rádio, grandioso sacrifício para um educador que tem outras obrigações cansativas, martirizando a sua preciosa existência até onze horas da noite. Com meus filhos e espôsa, assistimos religiosamente aos seus invejáveis comentários com belíssimas aulas de história, geografia, português, política, patriotismo, democracia, religião e outras proveitosas disciplinas que deleitam e confortam o coração da gente, o que lamentamos não serem repetidas durante o dia, para outros que não ouvem em virtude de suas obrigações noturnas. Anteriormente, tínhamos Eurípedes Aguiar, Álvaro Ferreira, Simplício Mendes, Costa Andrade e outros que lutavam na mesma tenda cansativa do jornal. Agora estamos assistindo à fidelidade, ao esfôrço e ao dinamismo do abnegado e corajoso mestre Tito Filho, prejudicando a sua própria saúde, perdendo o soninho das dez horas, falando e esclarecendo uma hora seguida, deixando os prazeres de casa para estar no batente da Difusora, onde tão bem realça e explica os acontecimentos que todos precisam e merecem conhecer. Você deve modificar o horário do seu programa, fazendo de tal maneira que não prejudique tanto o seu descanso e sua saúde, gravando também para que seja repetido em outras horas do dia, para que todos participem de seus extraordinários ensinamentos. a) Benedito Lima". OBSERVAÇÃO. Tenho dito e repetido: mestre Benedito de Castro Lima tem coração mais bonito do que a beleza da rosa.



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 7, 24 nov. 1971.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (169)

Por mais uma vez, em programação radiofônica (Difusora) e nesta coluna, discuti problemas de trânsito de Teresina. Depois dos debate, recebi da inteligência de Walderes Sousa estas bem traçadas linhas:

Nos meus rabiscos, em modesta coluna de JORNAL DO PIAUÍ, sempre me tenho ocupado dos problemas de trânsito em Teresina. Ora para criticar os responsáveis pelo problema, ora para dar uma sugestão, muitas das vêzes não aceita.

Dias atrás, por ocasião da Semana do Trânsito, ouvi umas palavras do ilustre Mestre com relação a êste grave problema, as quais em muito coincidiram com o que penso e tenho dito, com relação aos desregramentos de condutores de veículos automotores, de ciclistas e mesmo de muitos pedestres, êstes geralmente responsáveis pelos seus próprios infortúnios, o que é de se lamentar.

Em minha última coluna cheguei a sugerir ao DETRAN que contrate um técnico, uma pessoa que entende dêste assunto, pois até agora os responsáveis pelo problema não deram mostra da menor condição de resolvê-lo. Será que falecem na autoridade estas condições?

O pior é que, enquanto a interrogação fica no ar, os desastres acontecem a todo instante. É assim como uma dança macabra, a dança da morte. Quem bota o pé na rua de carro (dirigindo ou como passageiro), de bicicleta ou a pé, não sabe se voltará ileso. E quantos, todo dia, não conseguem regressar com vida.

Falo com experiência pois, modéstia à parte, conhêço todas as regiões dêste imenso Brasil, suas maiores cidades, as de tráfego mais difícil e as de melhor traçado, de norte a sul, e nunca vi, em nenhum delas, tanto loucura ao volante, tantos desrespeitos às leis de trânsito e até descaso pela vida humana.

Meu caro professor. Antes que isso atinja a calamidades maiores, é preciso que vozes como a sua, opiniões como a sua, clamem por uma providência superior, para pôr fim a tudo isso.

Há poucas horas atrás, quando dirigia pela Avenida Frei Serafim, ao cruzar o trecho dos supermercados, os quais sou obrigado a cruzar mais de uma vez por dia, por ser o caminho natural de minha residência, vi, mais uma vez, aquêle espetáculo comum de veículos estacionados, uns por cima das calçadas, outros atravessados na rua, filas duplas de um lado e outro das estreitas travessas, e vêm, formando-se os costumeiros engarrafamentos; o soar das buzinas, os palavrões dos motoristas os pedestres apavorados a correrem descontroladamente, sem saber para onde se dirigir. O senhor já pensou que imenso purgatório é êste em que vivemos?

Já sugeri ao Diretor do DETRAN que colocasse naquele local um guarda, pelos menos nas horas de maior movimentação. Mas isso já faz dias e o problema continua. A sugestão não foi aceita. Prova de que o problema não deve ser resolvido.

Digo, mais uma vez, que a Semana do Trânsito falhou, não atingiu os seus objetivos. Pedir carteiras a motoristas não deveria ter sido a principal finalidade. Com bastante tempo sugeri que deveria ser feita uma campanha de esclarecimentos [à] motoristas e pedestres, com jingles pelas emissoras de rádio, faixas, cartazes e todos os meios de comunicação, orientando a quantos têm que cruzar estas estreitas, fedorentas, calorentas e aperreadas ruas de nossa capital.

Aproveito para, ao fim desta, tratar de um assunto ainda com relação a veículos. É sôbre o aumento que acabam de conceder para os táxis. Mais um avanço para a bôlsa popular. Acho que foi a minha primeira e quase única voz a se levantar, quando se começou a falar em aumento de tarifas de táxis. Disse eu que em Teresina se paga os táxis mais caros do Brasil. Digo e provo. Agora mesmo estive em Fortaleza e lá verifiquei, constatei, paguei táxis com a bandeirada 0,45 e a mudança em 0,05. No sul, o Senhor bem sabe, é muito mais barato. A gente anda de táxi que enjoa e paga uma ninharia. Aqui, quando se pega um táxi vão-se até os fôrros dos bolsos. Uma arrodeada na Praça Pedro II chaga quase a 3,00. E o motorista geralmente não tem troco nem de 1,00.

Alegam que a gasolina por aí é mais barata. Realmente. Mas a diferença no litro nunca vai nem a 0,05 e isso êles já vêm tirando em dôbro, numa mudança de 0,10 e bandeirada de 1,00, que nunca vi em lugar nenhum. Êsse aumento ora decretado, se pôsto em prática, virá oficializar mais um assalto â bôlsa do teresinense.

Estas linhas, que poderiam parecer a outro um desabafo, ao ilustre Mestre, que muito bem me conhece, significará apenas a confissão de uma verdade, que deve ser dita e que deve mudar.

Sem outro para o momento, sirvo-me de ensejo para reiterar ao prezado professor protestos da minha estima e admiração".



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 2, 23 nov. 1971.