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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (172)

NUM estilo leve, gracioso, pleno de harmonia, expressão correta, Heli Menegale - escreveu contos de entretenimento e suavidade, mensagens de fé na grandeza do amor de Jesus. Encanto de originalidade êste A PORTA DO PARAÍSO. O burrinho do presépio, brincalhão, "o mesmo que trouxera Maria, de Nazaré a Belém, e o mesmo que a levaria, com o menino ao colo, na fuga para o Egito". O primeiro milagre de Jesus, a conversão dos salteadores, a história do centurião degolador de criancinhas, a mando de Herodes, o rei que não quis salvar-se, e finalmente a lágrima do menino ante a figura em que se enforcou Judas - agora figueira morta e estéril - são páginas fecundadas de inteligência e de bom gôsto literário. Merecem [ser] lidas.

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EM FEVEREIRO de 1966, escrevi carta-prefácio do livro O PIAUÍ no FUTEBOL, do vibrante Carlos Said, sujeito professor de entusiasmo e vero conhecedor do esporte chamado bretão. Nesse documento escrevi: "Disse-lhe que de futebol conheço o nome inglês e a fama de Pelé, para significar o meu leiguismo na técnica, nas normas, nos métodos dêsse desporto das multidões, orientadores de posições e jogadas, de arbitragens, de preparação física e espiritual dos homens do campo. Mas não o desamo, nem sou alheio às emoções das grandes pugnas futebolísticas". Adiante acentuei: "Érico Veríssimo conta que observou curiosa predileção do mexicano de rua pelos fogos de artifício, principalmente pelo foguete e pelo busca-pé: tanto um como o outro - diz o romancista gaúcho - têm dois predicados que o mexicano admira do funda da alma - são ambos explosivos, chispantes, coloridos. Assim como nas festas do México (digo eu), no futebol do Brasil: o que às vêzes dá impressão de alegria, é fúria, o que parece contentamento é violência. como tourada na terra de Juarez, futebol no Brasil semelha UMA REVOLUÇÃO, UMA EXPLOSÃO, UMA VÁLVULA DE ESCAPE PARA A VIOLÊNCIA REPRIMIDA - uma atitude bovárica irreversível, um protesto da angústia, uma fuga da realidade, uma forma de evasão". Admirável esta observação psicológica a respeito do futebol. "Quem observa de longe... a multidão a gritar, a dançar, no meio da explosão dos foguetes, tem uma impressão de alegria. Mas não nos devemos iludir. Se a floresta é alegre, as árvores são tristes". Realmente, as árvores são tristes, embora se mostrem ruidosas, como que porejando alegria. os gritos representam a fuga, a evasão da realidade. Ou o processo pelo qual cada ÁRVORE procura fugir da angústia. Os estádios gigantescos nada conferem ao povo grávido de problemas. Assim, o Albertão, monstruosidade que se alevanta na chapada para fantasiar de rica, de tranquila uma coletividade paupérrima, insultada por gravíssimos problemas. Antes de ser iniciado, já que se queimaram com êsse elefante branco quinhentos mil contos, em compra de terreno a um deputado federal, e mais seiscentos e quarenta mil contos pelo projeto, dados a felizarda firma mineira, escolhida ninguém sabem como. A dedo. Soube que houve até coquetel-churrasco por conta do govêrno. Festejamento do futuro estádio. Comes e bebes, sinal de fartura num aterra em que se angaria, se pede contribuição para o NATAL DOS POBRES. E os pobres receberam a ceia de Natal: meio quilo de arroz, um pedaço de sabão, meio quilo de açúcar. O prefeito Joel andou distribuindo pipocas. O Albertão será o símbolo caboclo do progresso, da civilização, da riqueza. Que Deus o tenha na sua glória.

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EXPRESSÕES bem conduzidas escreveu José Joaquim Monte, recém-formado pela Universidade do Ceará, para definir as responsabilidades do médico e a missão social da medicina.

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O ARGUTO colunista Dário Macedo, jornalista aplaudido, de leitura obrigatória, publicou o seguinte em "Tribuna do Ceará", edição de 20.12.71: "Depois de anos de estagnação, o Piauí com Alberto Silva ao leme começa a percorrer os caminhos do progresso e do desenvolvimento. E se apresenta hoje aos olhos da Nação com uma imagem inteiramente nova. tudo ali está em transformação, mesmo o calor". E um pouco adiante sustenta o confrade: "Hoje, em Teresina, há numerosos escritórios, repartições públicas, hotéis, cinemas com aparelhos de ar condicionado". OBSERVAÇÃO. Embora bem intencionado, o colunista não deve atribuir dons sobre-humanos ao governador Alberto Silva, que passou a TRANSFORMADOR DO CALOR do Piauí. Quando Alberto chegou a Carnaque, encontrou o gabinete governamental dotado com AR ACONDICIONADO (escrevi ACONDICIONADO). Quando o Piauí se libertará dêsses registros que o cobrem de ridículo na compreensão dos patrícios de outras terras?

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DE Luís Pereira da Silva, com data de 4.12.71: "Prezado Mestre. Dou um ouvinte assíduo e admirador incondicional do seu programa, que é levado ao ar de segunda a sábado na nossa querida Rádio Difusora, às 22 horas. Já escrevi várias vêzes para êsse programa e, naturalmente, sempre fui atendido satisfatoriamente. Hoje, portanto, volto a utilizar-me dêle para, com o tesouro de sabedoria com que êle é apresentado, tirar dúvidas quanto às seguintes questões". Em seguida, o missivista indaga a respeito de vário assunto. Eis o primeiro: "Qual a origem das palavras AMAZONAS e AMAZÔNIA? Sabemos que há a região da AMAZÔNIA e o ESTADO do AMAZONAS. Por que êsses dois nomes?" RESPOSTA. A mitologia fala das AMAZONAS, mulheres guerreiras da Ásia-Menor, e de lá expulsas. Alguns contam a fábula - aliás muito reproduzida pela gente amazônica. Admite-se que Orelana encontrou mulheres guerreiras nessa região do Brasil - e em razão disto deu ao grande rio o nome de Amazonas. O velho latim - assegura Xavier Fernandes - possuiu AMAZON, "mulher que carece de um peito". As amazonas eram guerreiras. Para que conseguissem mais agilidade na guerra, "queimavam ou cortavam o seio direito". Pela origem, AMAZONAS (singular) significa SEM SEIO. Por extensão: MULHER SEM SEIO. No poeta Horácio há referência a essas mulheres belicosas: "Amazonia securi dextras obarmet" (arma os braços com os machados das Amazonas). O nome Amazonas batiza o ESTADO das Amazonas e o Rio das Amazonas. Quando se faz referência ao Estado, diz-se ou escreve-se Estado do Amazonas. Há aqui ideia do Rio. Estado do (rio) Amazonas. A expressão RIO DAS AMAZONAS converteu-se em RI OAMAZONAS, com elipse da proposição. Mas tanto faz dizer Rio Amazonas, como Rio das Amazonas. No latim - ensina Silveira Bueno - podia dizer-se: URBS ROMAE (cidade de Roma) e URBAS ROMA (cidade Roma). No primeiro caso, houve construção com genitivo. No segundo caso, ROMA é apôsto. Tanto faz que se diga RUA DE RUI BARBOSA como RUA RUI BARBOSA. A região, que envolve o Estado do Amazonas e outras zonas naturais, tem o nome de AMAZÔNIA. [apagado no original] a palavra com o sufixo IA, o mesmo que aparece na formação de Lusitânia (de Lusitani) e de Germânia (de Germani). Os outros assuntos do missivista, mostra oportunidade.



IN: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 6, 28 dez. 1971.

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