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terça-feira, 26 de agosto de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (177)

ANO PASSADO estive reunido com supervisoras do ensino. Funcionárias da Secretaria de Educação, competentes, e devotadas ao trabalho. Perguntaram-me que eu achava da reciclagem dos mestres. Disse-lhes que essa palavra reciclagem semelhava tolice grossa. Empregam-na alguns autores, desavisadamente. Outro dia aqui estêve o ministro Passarinho. Pronunciou discurso, na Assembléia, muito apreciado. E no decorrer do discurso, passou pito na Secretaria de Educação, porque esta, em documentos oficiais, empregava reciclagem. Jarbas Passarinho é de aguçada inteligência. Leia-se lição de Napoleão Mendes de Almeida: "Cubagem, metragem, quilometragem, amparagem, voltagem, wattagem são barbarismos que no idioma se vêm consagrando com sacrifício do nosso vocabulário e da própria ciência. Perguntar: qual é a cubagem dessa sala? - não é usar de linguagem. Possuímos o vocábulo, mas não com o significado manifestado nessa pergunta, na qual deve ser substituído por volume. Comprimento, altura e largura de uma cousa dão-nos o volume da cousa e não a cubagem. Pelo menos foi o que aprendemos no curso primário. Metragem é outro disparate: qual a metragem do terreno? Assim não é que se deve dizer, mas: Qual a área do terreno? Seja expresso em metros, seja em quilômetros, seja em centímetros, o produto do comprimento pela largura irá dar-nos a área. Outras vêzes usam metragem em lugar de extensão: Qual a metragem dessa peça de fazenda? Qual a metragem dêsse rôlo de arame? Fio, peça de tecido, fita têm comprimento e não metragem, nem centimetragem, nem outras bobagens. Usam ainda o vocábulo na expressão espúria: filme de longa metragem, em vez de filme grande, filme comprido, filme extenso... Quilometragem é outro barbarismo, para denotar extensão expressa em quilômetros. Quer em quilômetros, quer em metros, quer em centímetros se exprima a distância de um ponto a outro, deve dizer-se extensão, comprimento, distância. Amperagem, voltagem, wattagem são palavras que devem e podem ser substituídas por outras nossas. Relativas tôdas À corrente elétrica, a primeira exprime a intensidade, voltagem indica a fôrça (eletro-motriz ou diferença potencial) e wattagem denota a potência da corrente. Potência, fôrça, intensidade são palavras vernáculas e muito mais compreensíveis. Se antes vimos que, expressa em metros ou em quilômetros, a extensão é sempre extensão (e não metragem, quilometragem), devemos ver agora que a potência de uma corrente elétrica é sempre potência e não wattagem. Ainda que expressa em calos-vapor, continuará sendo potência. Curioso seria perguntarmos a alguém a cavalagem de um motor. A aceitar tais barbarismos, obrigados seremos a pôr de lado a palavra pêso, para construirmos: Qual a quilagem dêsse fardo de algodão? Daí passaríamos para alqueiragem, guartagem, gramagem, palavras muito próximas de bobagem e de pastagem". O ministro Passarinho lecionou bem. Em lugar da tolice reciclagem, diga-se treinamento.

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LIVRINHO de umas vinte e cinco páginas. Tamanho pequeno. Autor: Fernando Barbosa de Carvalho, membro de uma família de intelectuais, irmão dêsse patrimônio espiritual do Piauí, desembargador Cromwell Barbosa de Carvalho. Título da obra: "Voz da Razão". Grande livro, todavia. Grande pela linguagem polida e pelas lições de sabedoria que encerra. Estudo sério, feito com a compreensão de educar, de transpreleções para que se forme a personalidade: "Êste modesto livro - escreve o autor - não tem outra finalidade, não visa a outra meta, não se destina a outro escopo que o de evidenciar, de maneira clara e precisa, a índole ingrata do homem, índole tendente à prática do mal, conscientemente". Por através da revelação da maldade humana, Fernando Barbosa de Carvalho oferece os princípios pelos quais o homem pode chegar à bondade. Caminho certo: a atitude pode chegar, a razão. A razão como proclamadora da verdade, como extinguidora do amoralismo, como propiciadora da cultura intelectual e cívica. O homem racional - sustenta o autor - pensa antes de agir, conhece-se a si mesmo, dignifica-se pelo trabalho honesto, repudia os triunfos ilícitos, enriquece-se de fôrça de vontade, cultiva a nobreza dos sentimentos, abdica do egoísmo, dá amor aos outros, repele o vício e chega à felicidade. A razão é mestra, protetora, conselheira, ciência, fraternidade, sabedoria, convivência. De parabéns as letras maranhenses. De parabéns a Academia Maranhense de Letras, de que Fernando Barbosa de Carvalho é dos mais ilustres sócios efetivos.

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CIRCULOU a edição de "Geografia Ilustrada" dedicada ao Piauí. Dados do último recenseamento (1970). Triste o quadro de miséria desta província: "O volume da população rural sobrecarrega o setor primário (agricultura). Em conseqüência, a produtividade descresse. Além disso, devido à baixa remuneração tôda essa gente vive a um nível praticamente de subsistência, pouco participando do mercado consumidor".

Eis a fisionomia: povo que come mal, que mora mal, que nada ganha. Povo que vai dar-se o luxo de possuir um estádio de luxo, para sessenta mil pessoas, em Teresina. Só o terreno para tal elefante sobe a quinhentos mil contos. Comprado de um deputado federal. O projeto encheu o papo de uma firma de Belo Horizonte: custou mais de seiscentos mil contos. Dinheiro haja para o fachadismo.
Copio da revista a que me referi: "A baixa produtividade da lavoura faz com que os lucros do trabalho agrícola não sejam suficientes para possibilitar maiores investimentos". E no mesmo capitulo: "O nível da economia reflete-se na participação do Piauí na renda do Nordeste: três e meio por cento em 1967, a menor de todos os estados da região".
Mas o governo está queimando etapas. Desenvolvimento À vista. Está o desenvolvimento viajando em avião tocado a jato. O desenvolvimento mostra-se másculo, tanto que o Piauí vai edificar estádio de bilhões velhos.

Continuarei amanhã.



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 4, 08 dez. 1971.

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