ANO PASSADO estive
reunido com supervisoras do ensino. Funcionárias da Secretaria de Educação,
competentes, e devotadas ao trabalho. Perguntaram-me que eu achava da reciclagem dos mestres. Disse-lhes que
essa palavra reciclagem semelhava
tolice grossa. Empregam-na alguns autores, desavisadamente. Outro dia aqui
estêve o ministro Passarinho. Pronunciou discurso, na Assembléia, muito
apreciado. E no decorrer do discurso, passou pito na Secretaria de Educação,
porque esta, em documentos oficiais, empregava reciclagem. Jarbas Passarinho é de aguçada inteligência. Leia-se
lição de Napoleão Mendes de Almeida: "Cubagem,
metragem, quilometragem, amparagem, voltagem, wattagem são barbarismos que no
idioma se vêm consagrando com sacrifício do nosso vocabulário e da própria
ciência. Perguntar: qual é a cubagem dessa sala? - não é usar de linguagem.
Possuímos o vocábulo, mas não com o significado manifestado nessa pergunta, na
qual deve ser substituído por volume.
Comprimento, altura e largura de uma cousa dão-nos o volume da cousa e não a
cubagem. Pelo menos foi o que aprendemos no curso primário. Metragem é outro
disparate: qual a metragem do terreno? Assim não é que se deve dizer, mas: Qual
a área do terreno? Seja expresso em metros, seja em quilômetros, seja em
centímetros, o produto do comprimento pela largura irá dar-nos a área. Outras
vêzes usam metragem em lugar de extensão: Qual a metragem dessa peça de
fazenda? Qual a metragem dêsse rôlo de arame? Fio, peça de tecido, fita têm
comprimento e não metragem, nem centimetragem, nem outras bobagens. Usam ainda
o vocábulo na expressão espúria: filme de longa metragem, em vez de filme
grande, filme comprido, filme extenso... Quilometragem é outro barbarismo, para
denotar extensão expressa em quilômetros. Quer em quilômetros, quer em metros,
quer em centímetros se exprima a distância de um ponto a outro, deve dizer-se
extensão, comprimento, distância. Amperagem, voltagem, wattagem são palavras
que devem e podem ser substituídas por outras nossas. Relativas tôdas À
corrente elétrica, a primeira exprime a intensidade, voltagem indica a fôrça
(eletro-motriz ou diferença potencial) e wattagem denota a potência da
corrente. Potência, fôrça, intensidade são palavras vernáculas e muito mais
compreensíveis. Se antes vimos que, expressa em metros ou em quilômetros, a
extensão é sempre extensão (e não metragem, quilometragem), devemos ver agora
que a potência de uma corrente elétrica é sempre potência e não wattagem. Ainda
que expressa em calos-vapor, continuará sendo potência. Curioso seria
perguntarmos a alguém a cavalagem de um motor. A aceitar tais barbarismos,
obrigados seremos a pôr de lado a palavra pêso, para construirmos: Qual a
quilagem dêsse fardo de algodão? Daí passaríamos para alqueiragem, guartagem,
gramagem, palavras muito próximas de bobagem e de pastagem". O
ministro Passarinho lecionou bem. Em lugar da tolice reciclagem, diga-se treinamento.
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LIVRINHO de umas
vinte e cinco páginas. Tamanho pequeno. Autor: Fernando Barbosa de Carvalho,
membro de uma família de intelectuais, irmão dêsse patrimônio espiritual do
Piauí, desembargador Cromwell Barbosa de Carvalho. Título da obra: "Voz da Razão". Grande livro,
todavia. Grande pela linguagem polida e pelas lições de sabedoria que encerra.
Estudo sério, feito com a compreensão de educar, de transpreleções para que se
forme a personalidade: "Êste modesto
livro - escreve o autor - não tem outra finalidade, não visa a outra meta, não
se destina a outro escopo que o de evidenciar, de maneira clara e precisa, a
índole ingrata do homem, índole tendente à prática do mal, conscientemente".
Por através da revelação da maldade humana, Fernando Barbosa de Carvalho
oferece os princípios pelos quais o homem pode chegar à bondade. Caminho certo:
a atitude pode chegar, a razão. A razão como proclamadora da verdade, como
extinguidora do amoralismo, como propiciadora da cultura intelectual e cívica.
O homem racional - sustenta o autor - pensa antes de agir, conhece-se a si
mesmo, dignifica-se pelo trabalho honesto, repudia os triunfos ilícitos,
enriquece-se de fôrça de vontade, cultiva a nobreza dos sentimentos, abdica do
egoísmo, dá amor aos outros, repele o vício e chega à felicidade. A razão é
mestra, protetora, conselheira, ciência, fraternidade, sabedoria, convivência.
De parabéns as letras maranhenses. De parabéns a Academia Maranhense de Letras,
de que Fernando Barbosa de Carvalho é dos mais ilustres sócios efetivos.
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CIRCULOU a edição de
"Geografia Ilustrada"
dedicada ao Piauí. Dados do último recenseamento (1970). Triste o quadro de
miséria desta província: "O volume
da população rural sobrecarrega o setor primário (agricultura). Em
conseqüência, a produtividade descresse. Além disso, devido à baixa remuneração
tôda essa gente vive a um nível praticamente de subsistência, pouco
participando do mercado consumidor".
Eis a fisionomia:
povo que come mal, que mora mal, que nada ganha. Povo que vai dar-se o luxo de
possuir um estádio de luxo, para sessenta mil pessoas, em Teresina. Só o
terreno para tal elefante sobe a quinhentos mil contos. Comprado de um deputado
federal. O projeto encheu o papo de uma firma de Belo Horizonte: custou mais de
seiscentos mil contos. Dinheiro haja para o fachadismo.
Copio da revista a
que me referi: "A baixa produtividade
da lavoura faz com que os lucros do trabalho agrícola não sejam suficientes
para possibilitar maiores investimentos". E no mesmo capitulo: "O
nível da economia reflete-se na participação do Piauí na renda do Nordeste:
três e meio por cento em 1967, a menor de todos os estados da região".
Mas o governo está
queimando etapas. Desenvolvimento À vista. Está o desenvolvimento viajando em
avião tocado a jato. O desenvolvimento mostra-se másculo, tanto que o Piauí vai
edificar estádio de bilhões velhos.
Continuarei amanhã.
In: TITO FILHO, A.
Caderno de anotações. Jornal do Piauí,
Teresina, p. 4, 08 dez. 1971.
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