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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (195)

Determinação de Karla: "Diga os motivos que desencadearam as duas grandes guerras mundiais, bem como os países que nelas tomaram parte". RESPOSTA. Primeira Grande Guerra. Motivos: antagonismos germano-eslavo nos Bálcãs, ambições coloniais da Alemanha, pretensão de a Alemanha influir no Oriente e a CORRIDA ARMAMENTISTA. Países: de um lado, Alemanha, Áustria-Hungria, Turquia, Bulgária. Do outro lado, França, Itália, Romênia, Estados Unidos, Grécia, Portugal, Brasil, China, Sião. Início da guerra: 28.7.1914. Final: onze de novembro de 1918 (Tratado de Versalhes). Segunda Grande Guerra. Causa principal: imperialismo, dominação de mercados. Países: de um lado, Polônia, Inglaterra, França, Rússia, Estados Unidos, China, Brasil e os países ocupados pela Alemanha e pela Itália (Dinamarca, Grécia, Noruega, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Iugoslávia, Checoslováquia, Abissínia). Do outro lado Alemanha, Itália, Japão, Hungria, Romênia e Bulgária. Início: primeiro de setembro de 1939. Final: oito de maio de 1945. Continuou lutando o Japão até agôsto, quando das bombas atômicas sôbre Hiroxima e Nagasáqui.

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REVISTA PLACAR, de 31-12-71. Informação: "Apenas o Santa Cruz, tricampeão de Pernambuco e com um presidente milionário, não mostra muito entusiasmo em acompanhar a linha de ação de seus principais adversários. James Thoro (presidente), com cêrca de um milhão enfiado no clube, reconhece que os concorrentes estão certos, inclusive porque os salários do Santa vivem atrasados" (página 32). Na mesma página: "No Sport club Recife o exame das contas feito pelo conselho deliberativo foi o suficiente para mostrar a necessidade de seguir novos caminhos no próximo ano. Os gastos de 1971 foram muito altos e as campanhas desportivas não corresponderam". OBSERVAÇÃO. Essas situações são de quase todos os clubes brasileiros. Veja-se: nas grandes cidades. Enquanto, com um futebol pobre, Teresina vai possuir estádios para sessenta mil pessoas.

Ainda na página referida escreve PLACAR: “O Atlético Mineiro não perdeu a oportunidade. Recebido em palácio para comemorar o título de campeão do Brasil, soprou no ouvido do governador Rondon Pacheco que o melhor presente seria a de devolução do Estádio Antônio Carlos, em reconhecimento aos RELEVANTES SERVIÇOS prestados ao Estado".

Arremata a notícia: "O engraçado da estória é que o estádio foi vendido ao Estado pelo próprio Atlético, no ano passado, para pagar suas dívidas e levantar o clube".

Informa a mesma revista, páginas 38 e 39:

- O jôgo Corinthians e América deu apenas dezessete mil cruzeiros.

- O último Fla-Flu, no Maracanã, rendeu apenas cinquenta e três mil cruzeiros.

OBSERVAÇÃO. Êsses clubes referidos têm grandes torcidas organizadas. Mas não há renda. Quando uma disputa Flamengo e Fluminense, no Maracanã, arrecada apenas cinquenta e três mil cruzeiros, está confirmado o que venho asseverando: os estádios monstruosos vivem secos de gente.

Observe-se mais esta notícia da revista, na página 34: "Um ditado muito velho diz que NO CEARÁ NÃO TEM DISSO NÃO. Mas na realidade, no Ceará acontecem cousas que só lá mesmo. Agora o Calouros do Ar sagrou-se campeão da Taça Governador do Estado por WO. O Ceará, o Ferroviário e o Fortaleza resolveram desistir da rodada final. É o velho problema da falta de rendas".

É o que tenho dito e repito. Renda de jôgo de futebol está difícil. Em Teresina, jogos empolgantes entre o River e o Flamengo, vão a vinte mil cruzeiros.

A publicidade do Albertão atesta que pululam estádios fabulosos no Brasil. Não é assim. Há o de Manaus. Vive sêco. O de Fortaleza está desafiando a César Cals. Monstruosidade inacabada. O de Natal vive às moscas. Não há governo que queira concluí-lo. Disse-me Rodrigues Filho que o governador das Alagoas não sabe que fazer do Pelezão. Vivem secos o Maracanã e o Mineirão.

E o Batistão, de Aracaju? Passo a palavra a Cilson Rosemberg, da revista PLACAR, edição de 31 de dezembro de 1971, página 34:

"Na hora de fazer o estádio grandioso, ninguém pensou no tamanho dos clubes, no número de torcedores, na atração que o futebol representa para os habitantes da cidade. Por isso, aconteceu: o Olímpico resolveu realizar um jogo amistoso no Batistão - um elefante branco: capacidade para cinquenta mil espectadores - e convidou o Vasco Esporte Clube. tudo acertado, os dois clubes fizeram muitos planos de renda de um domingo de estádio cheio. Moral da história: apenas SETENTA E SEIS torcedores pagaram ingresso. Renda total: trezentos e dez cruzeiros. Foi quando a Federação Sergipana resolveu tomar a frente do negócio. Pagou tôdas as despesas e os clubes ainda receberam, cada um, Cr$ 1,62 (um cruzeiro e sessenta e dois centavos de gorjeta. Ficou a lição: não adianta estádio grande para futebol pequeno. Será que êles a aprenderão? Parece que não".



TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 6, 06 jan. 1971.

sábado, 22 de novembro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (194)

MANDAMENTO de Karla: "Dê-me alguns esclarecimentos sôbre LEITURA ORIENTADA". Resposta. A leitura compreende três modalidades: EXPRESSIVA, para que se valorizem as palavras, para que se fale com [apagado no original] preza; EX EXTENSÃO, para a fixação daquilo que se leu; EM PROFUNDIDADE, para exploração da matéria que foi lida. Depois disto, há necessidade de assimilar a matéria. Finalmente, organizá-las no espírito. A LEITURA ORGANIZADA indica que ela está sempre pronta para ser mobilizada, quando necessário.

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RÊ-LI "Memórias", de Higino Cunha. As lutas do jovem (chegou a ser caixeiro), o estudante da Faculdade do Recife, a influência que nêle exerceu Tobias Barreto. Em seguida, o jornalista político, inclemente, o homem da política partidária. Finalmente, as ideias filosóficas de Higino. Escrevia o Mestre com simplicidade e firmeza, sem nenhum artificialismo.

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O acreditado jornal "O Estado", de Teresina, publica uma página de realizações da Secretaria de Obras Públicas. Uma delas é esta: "Grupo Escolar de vinte salas de aula, na avenida Campos Sales, em Teresina". OBSERVAÇÃO. Meu parente Murilo Resende (parece que eram irmãs duas das nossas avós, ou bisavós) foi mal informado. Os dinheiros dêsse grupo pertencem ao Plano Nacional de Educação de 1969, quando era Secretário de Educação o professor Balduíno Barbosa de Deus. Ano passado, administração Clímaco de Almeida, consegui que o ex-governador adquirisse terreno, comprado do dr. João Martins Morais. Foi aberta concorrência para a construção do grupo. E ainda iniciada a construção. Todos os dinheiros para pagamento da construção eu os deixei no Banco do Piauí. O grupo foi construído com dinheiro federal (excetuado o terreno). A verdade acima de tudo. O céu a seu dono.

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LEIO informação da Secretaria de Educação: o govêrno vai reeditar cinquenta importantes obras de escritores piauienses. Que obras? Outro dia topei com a notícia de duas delas: A GUERRA DO FIDIÉ e VÁRIA FORTUNA DE UM SOLDADO PORTUGUÊS. Ambas - dizia o jornal "O Glôbo" - indicadas pelo govêrno do Piauí ao Instituto Nacional de Livro, para republicação, como de autoria de Abdias Neves. Acontece que Abdias só escreveu a primeira. A outra não é propriamente obra literária. É a reunião de petições do brigadeiro Fidié à coroa portuguesa - petições que nenhum interêsse despertam. O governador Alberto Silva deve ter muito cuidado na reedição dessas cinquenta obras. Quais são elas? Identificam UMA LITERATURA PIAUIENSE? Uma literatura DO HOMEM PIAUIENSE? Num TEMPO HISTORICAMENTE PIAUIENSE? Antes do romantismo o Piauí quase nada oferece às letras. A própria escola romântica, aqui, se limitou a fixar costumes sertanejos, a desenhar quadros da natureza, a cantar queixumes e desesperanças. Ninguém registrou graves e notáveis episódios históricos na concepção artística. Desconhece-se uma produção extraída das lutas da Independência. Romances e poesias esqueceram as lutas da colonização, no século XVII. Que ficou do ROMANTISMO da literatura piauiense? Na poesia, a obra de Coriolano de Sousa Lima, descritiva por excelência (costumes, gado, campos); de Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco (quadros da natureza), de Luísa Amélia de Queirós Brandão, lírica exagerada, de Licurgo José Henrique de Paiva, fantasioso, de Raimundo de Arêa Leão, dolente, de muito pieguismo. Na prosa, sobressaem José Martinho Lustosa do Amaral, com um romance histórico, Francisco Gil Castelo Branco, contista. Não fiz referência a cientistas, oradores de parlamento, jornalistas políticos, polemistas, memorialistas, uma vez que não escreveram literatura. Estudaram assuntos da sua especialidade, ou debateram problemas políticos e jurídicos nos jornais e nas tribunas das assembléias.

Assevera João Pinheiro que "as modernas correntes precursoras do naturalismo e do parnasianismo, de que foi Tobias Barreto um dos principais fatores no país, não tiveram quase nenhuma repercussão no pequeno meio intelectual piauiense, ainda mais reduzido pela morte ou absoluto retraimento de vários de seus representantes, renomados DILETANTES absorvidos pelo partidarismo intransigente ou interêsse outros de oradores puramente individuais".

João Pinheiro fala, porém, que ESSAS CORRENTES PRECURSORAS do naturalismo e do parnasianismo determinaram uma fase de verdadeira floração subseqüente.

É preciso convir em que Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e Anísio de Abreu foram notáveis e cultos propagandistas das idéias de Tobias Barreto e Silvio Romero (Escola do Recife). Expoentes do estudo e inteligências extraordinárias. Exerceram profunda influência no meio cultural piauiense. Anísio deixou poesias de grande valor, filosóficas, apaixonadas de liberdade, de civismo, de conteúdo realista (parnasiano).

Mostrei a pobreza do movimento romântico do Piauí. Se no Brasil o romantismo, na caracterização de [Paul?] Hazard, endossada por Afrânio Coutinho, o romantismo foi fôrça religiosa, social e nacional, então no Piauí praticamente inexistiu LITERATURA ROMÂNTICA.

O realismo (a verdade, técnica da documentação e da observação, vida contemporânea, emoções e temperamentos) e o naturalismo (fisiologia do homem, sua origem egoística sem parentesco com os animais) quase não aparecem na literatura piauienses? Causas? Neste resumo jornalístico não há espaço para determiná-la. Mas apareceu a literatura regional [apagado no original]

Esta o regionalismo piauiense representado por Hermínio Castelo Branco (LIRA SERTANEJA), Leônidas Benício Mariz e Sá, Clodoaldo Freitas, Abdias Neves, Amélia Beviláqua, João Pinheiro.

O parnasianismo e o simbolismo enriqueceram-se de muitos nomes (incluo aqui o impressionismo0. O parnasianismo do ideal de objetividade, do positivismo filosófico, descritivo, mais técnico, menos inspirado. O simbolismo - espiritual, subconsciente, fugidor da realidade, fantasioso, colorido. O impressionismo das emoções e sentimentos despertados pelos sentidos. Alinham-se aqui: Joaquim Ribeiro Gonçalves, Taumaturgo Vaz, Fócion Caldas, Fenelon Castelo Branco, Félix Pacheco, Antônio Neves de Melo, Baurélio Mangabeira, Jônatas Batista, Tito Batista, Alcides Freitas, Nogueira Tapeti, Lucidio Freitas, João Cabral, Pedro Borges, Cristino Castelo Branco, Edison Cunha, Antônio Chaves, Arimathéa Tito, Cromwell Carvalho, Celso Pinheiro, Da Costa e Silva, Pedro Brito, Martins Vieira, Bugyja Britto, Alarico da Cunha, Moura Rêgo, Monsenhor Sampaio, Isabel Vilhena, Vicente Araújo, João Ferry, Mário Batista, Mário Bento, Antônio Justa, Veras de Holanda, Almir Fonseca, Luís Lopes Sobrinho, Hardi Filho, Vidal de Freitas, Alvina Gameiro, Felício Pinto, Fabrício Areia Leão, Oliveira Neto, Otávio Melo, Judith Santana.

Não incluo na parte rigorosamente literária nomes consagrados na crítica, na história, no direito, na sociologia, na matemática, na medicina, na oratória como os de João Cabral, Pedro Borges, João Alfredo, Costa Alvarenga, Cromwell Carvalho, Celso Pinheiro Filho, Simplício Mendes, Esmaragdo Freitas, João Pinheiro, Cristino Castelo Branco, Arimathéa Tito, Elias Martins, Clodoaldo Freitas, Matias Olímpio, Anísio Brito, Elias de Oliveira, Hermínio Conde, Otávio de Freitas, Carlos Pôrto, Monsenhor Chaves, Odilon Nunes, Cunha e Silva, Rodrigues dos Santos, Castro Aguiar, Dom Avelar, Deolindo Couto, Davi Caldas, Fernando Lopes, Petrarca Sá, Breno Pinheiro, Sousa Neta, Coelho Rodrigues, Gonçalo Cavalcante, Clemente Fortes, Clidenor Santos, Adelmar Rocha, Pires Rebêlo, Odilo Costa, Paranaguá, José de Abreu, Antônio José de Sampaio, Luis Mendes Ribeiro Gonçalves, Gayoso e Almendra, Luís Correia, Jônatas de Morais Correia, Robert Carvalho, Benjamim Batista, Álvaro Ferreira, Armando Madeira, Taumaturgo Azevedo, Antonio Freire, Miguel Rosa, Raimundo Santana, Wilson Brandão, Alves Noronha, Darci Araújo, Heitor Castelo Branco, Paulo Nunes, Celso Barros Coelho, João Coelho Marques, Edgard Nogueira, Vitalino Alencar, Gerardo Vasconcelos, Cecília Mendes, Moisés Castelo Branco Filho, Petrônio Portela, Felismino Weser - nomes consagrados nas suas respectivas especialidades culturais - não os incluo neste capítulo das letras históricas, jurídicas, sociológicas, históricas, médicas, científicas, enfim, porque estou tratando exclusivamente da OBRA LITERÁRIA propriamente dita, embora reconheça as superiores qualidades de execução, de forma, de estilo dessas produções do engenho humano.                  

Também não trato aqui nestas considerações, escritas ao correr da pena, do JORNALISMO, obra de arte, em que militam expressões de merecida projeção intelectual.

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Os movimentos renovadores resultantes da Primeira Grande Guerra - as experiências, as ligações dessa carnificina humana - não chegaram ao Piauí. Izara, Bréton, Marinetti, Apollinaire, Aragon nenhuma influência literária puderam exercer no Piauí. Também desconheço influência da corrente de Joyce, Virginia Woolf, Eliot, Kafka, na época em que o expressionismo se manifestou pelo subjetivismo total.

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O modernismo foi compreendido por uma das maiores figuras da LITERATURA PIAUIENSE em todos os tempos: Martins Napoleão. Talento renovador. Consciência criadora. E por José Newton de Freitas, falecido muito jovem, deitando poesia de sentido social e humano. Hoje as correntes do modernismo se representam na literatura piauiense (poesia) por Clóvis Moura, Renato Castelo Branco, Romão da Silva, Mário Faustino, Altevir Alencar, Conceição Castelo Branco, Miguel de Moura, Cristina Leite, Nerina Castelo Branco, Herculano Morais, H. Dobal, Gregório de Moraes, Pompílio Santos, Adail Maia, Domingos Fonseca, Hermes Vieira, Vidal Ferreira, e outros - poetas de várias tendências, cada qual com a sua (universalista, espiritualista, nacionalizante, inconformista, socializante, formalista).

Na ficção, projetam-se Sousa Neto, Renato Castelo Branco, Assis Brasil, Odilo Filho, O. G. Rêgo de Carvalho, Palha Dias, J. Miguel de Matos, Magalhães da Costa, as duas Lilis, cada qual com sua ficção típica - ficção documental, regional ou social.

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O governador bem poderia adotar estas sugestões: 1) reeditar poucas obras, pouquíssimas - justamente as que podem, no momento, despertar interesse, como "A Lira Sertaneja", "Frei Serafim de Catânia" e uma ou outra mais; 2) organizar antologias, incluindo ficcionistas, poetas, historiadores, oradores, jornalistas, juristas - das fases literárias: modernismo (uma antologia) e fases anteriores ao modernismo (outra antologia); 3ª publicar obras inéditas de intelectuais piauienses.

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Observação. Deixei de citar Berilo Neves. Notável cronista, crítico de superior qualidade da vida social. A sua obra, porém, é carioca. E citaria neste final cronista do melhor naipe: Hélio Passos.

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As omissões foram absolutamente involuntárias. 



TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 2, 04 jan. 1972.

sábado, 8 de novembro de 2014

ENCERRAMENTO 1971

ENCERRAMENTO 1971

CADERNO DE ANOTAÇÕES (193)

DE LEITORA inteligente, que assina Lídica, com data de 13-12-1971: "Professor Tito Filho. Desde muito jovem que rabisco versos e, como jamais consegui chegar a uma conclusão a respeito dos que escrevi, envio-lhe êste poema, um dos mais recentes, pedindo ao distinto mestre que tenha o trabalho de passar-lhe uma vista e, se possível, dar-me uma preciosa e sábia opinião, que, por sua vez, me servirá de estímulo para que eu continue a fazer meus humildes versos, ou valerá por DESISTA, se nada houver nêles de promissor. Essa resposta (se é que o senhor acha que valerá o esfôrço de me fazer uma crítica, seja ela qual fôr) poderá ser dada através da sua coluna no JORNAL DO PIAUÍ - CADERNO DE ANOTAÇÕES -, que leio sempre e através do qual podemos admirar a sua inteligência, uma das mais brilhantes do nosso Estado".

Transcrevo a poesia:

POEMA 32

Que êsse amor, conquistado a longas penas
Não passe por tua vida como falenas,
Naquele seu vôo gentil, mas tão ligeiro,
Não seja assim êsse teu amor primeiro.

Bem sei quantos prantos por êle choraste,
Sei bem dos dias incertos que atravessaste,
Trazendo tuas mãos sempre cheias de espera,
Bem sei. (E se muito antes êle te quisera

Muito antes que hoje serias feliz,
Teu coração teria quem sempre quis).

Foram duas tristes aquêles, quando
O teu amado era inatingível sonho,
E tu, sombra triste, calada, tentando
Que êle lesse no teu rosto tristonho

O amor que sempre fôra tão dêle. E agora
Que o tens para ti sómente, é a sonhada hora
Que sejas só dele, que a entrega de dois
E mais sublime que a de um só, amigo. Pois

Que êsse amor, conquistado a longas penas,
Não passe por tua vida como falenas,
Naquele seu vôo gentil,mas tão ligeiro,
Não seja assim êsse teu amor primeiro.

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OBSERVAÇÃO. A autora tem inspiração. Cultiva a poesia sentimental, intimista. É romântica. Amorosa. Pode produzir boas poesias, contanto que abdique do sentimentalismo. Deve ler muito o poema moderno para adquirir consciência de modernidade da poesia, para tomar posição diante da realidade, não para fotografias do real, mas para interpretação da realidade. A poesia hoje já não recolhe histórias de amor, suspiros de amantes. Não se pretende destruir emoções. Nunca. nada, porém, de sentimentalismo. A gente quer ritmo, notícia, presentificação da realidade. Carlos Drummond de Andrade sentenciou:

"Não faças poesia com o corpo,
êsse excelente, completo e confortável corpo, tão
infenso à efusão lírica.
Tua gôta de bile, tua careta de gôzo ou de dor no
escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equivoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia".

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Poesia é sentimento-interpretação do mundo. Consciência da realidade social. Revolta. Mensagem. Morte do individualismo. Leia-se Carlos Drummond de Andrade, mais uma vez:

"Não, o tempo não chegou de completa justiça
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salva
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Façam completo silêncio, paralisem os negócios.
garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio,
nojo e o ódio".

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Distinta Dirce, você tem queda para a poesia. Só lhe falta uma cousa: viver o seu tempo na poesia. Fazer a poesia-modernidade. Experimente. Leia Drummond, Bandeira, Cassiano Ricardo, João Cabral de Melo Neto e outros. Continue. Trabalhe o poema sem sentimentalismo. E você realizará a verdadeira poesia.

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O jornal "O Dia" publicou, recentemente, reportagem a respeito do celebérrimo Projeto Piauí, que vai fazer "o diagnóstico do universo social a ser desenvolvido". Qualquer sociologiazinha de dois cruzados fala destas cousas. Nessa reportagem, o professor João Ribeiro, coordenador do Projeto, deitou uns pedaços de falação, e disse que os rapazes do Projeto estão promovendo "treinamento para os grupos da elite local, reunindo pessoas responsáveis pelo SERSE e espôsas de vários "secretários". Eu, de mim, desacredito em que o professor Ribeiro haja feito tal afirmativa. Certamente o repórter colheu mal as observações professorais. João Ribeiro deve ter lido Mosca, Pareto, Weber, Lukacs, Schumpeter, Toynbee, Bottomore. Sobretudo êste último, tão claro, tão conciso. Três elites há na sociedade dêste atribulado século XX - elites que são agentes vitais na criação de novas formas de sociedade: os intelectuais (críticos da sociedade, notáveis na transformação dos países subdesenvolvidos), os gerentes de indústria (elite funcional na sociedade industrial, responsáveis por importantes decisões econômicas) e os burocratas (altos funcionários governamentais, elite poderosa). O professor João Ribeiro - penso eu - jamais declararia que pessoas responsáveis pelo SERSE e espôsas de Secretários devem ser treinados como grupos de elite local. Elite não é alta-roda, sociologicamente considerada. Diante da tese apresentada, pertence às elites locais dona Florisa Silva, alta servidora do govêrno. X   X   X NOUTRO ponto da reportagem de "O Dia" há a afirmação de que o governador Alberto Silva e o professor João Ribeiro vão a Israel e lá estreitarão os laços de cooperação entre os dois países (Brasil e Israel). Eu afirmo que a política exterior do Brasil é de responsabilidade do Presidente da República. X   X   X ESTÁDIO para sessenta mil pessoas, na Tabuleta. Terreno de quinhentos mil contos, adquirido de um deputado federal. Só o projeto da monstruosidade custou seiscentos e quarenta mil contos. Teresina tem uns duzentos e trinta mil habitantes, incluindo população rural, mendigos, anciãos, aleijados, cegos, criancinhas e gente que não suporta futebol. E gente que suporta não tem dinheiro. O exemplo aí está: o esquadrão famoso de Belo Horizonte - Cruzeiro - com Tostão, o segundo jogador brasileiro em popularidade, - êsse time não conseguiu lotar o estádio Lindolfo Monteiro. Sobraram cadeiras na pista, sobraram cadeiras da áera coberta, havia lugar ainda para umas cinco mil pessoas. Com tôda a fama do clube mineiro, doze mil pessoas, mais ou menos, estiveram no estádio. Perguntei ao empresário Sizoca se contrataria novamente o esquadrão de Belo Horizonte por vinte mil cruzeiros para um segundo jôgo. Respondeu-me que não. Mas Murilo Resende esclareceu: em mil novecentos e oitenta Teresina terá quinhentos mil habitantes. Murilo está como esteve Armstrong: no mundo da lua. Noutro artigo comentarei o pensamento de meu parente (parece que nossas avós eram irmães). Murilo Resende. E escrevo esta observação final: no dia do jogo Cruzeiro e River, Alberto Silva foi ao estádio. Recebido friamente. O povo sabe que o Albertão é uma afronta a uma comunidade pobre, entupida de problemas até ao gogó.



IN: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 7, 22 dez. 1971.

domingo, 2 de novembro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (192)

DETERMINAÇÃO de Karla: "Faça a diferença entre metáfora e metonímia". Lição dos mestres: metáfora é a figura de linguagem que consiste na transferência de uma palavra ou expressão para âmbito de significação que não é o seu. Exemplo: "O último ouro do sol morre na cerração". A metonímia - dizem os doutôres - consiste na ampliação do âmbito de significação de uma palavra ou expressão, partindo de uma relação objetiva entre a significação própria e figurada: "tocam os bronãe" (os sinos); "cidade de cem mil almas" (pessoas). Veja Karla o seguinte: na metáfora a relação é subjetiva, estabelecida pelo espírito.

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O governador Alberto Silva, no projeto criador da Fundação de Assistência Geral aos Desportos do Piauí (FAGEP), correspondente ao ALBERTÃO, propôs aos deputados este parágrafo: "Consideram-se aprovados e ratificados todos os atos e despesas efetuadas até a presente data pelo secretário de Obras Públicas, para a constituição do Estádio de Teresina". Assembléia, contra os votos do MDB, aprovou a proposta do governador. Cousa nunca vista: antes de ser aprovada a construção do Albertão, já se gastava por conta do referido. Os deputados da ARENA aprovaram despesas por antecipação sem que soubessem ao menos em que foram gastos os dinheiros, sem que soubessem a quanto montavam tais despesas. Teratologia. No mesmo dia da votação e aprovação desse estarrecedor parágrafo, fiz protesto. Mostrei os aleijões dessa legislação. Pois bem. Num gesto de sensatez e de reflexão, o governador do Estado VETOU o parágrafo estapafúrdio.

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Karla escreve: "Fale das principais figuras de sintaxe". Observação. A nomenclatura gramatical brasileira adota quatro figuras de sintaxe: elipse, silepse, pleonasmo, anacoluto. Ensinam os mestres: anacoluto (frase quebrada) se dá quando a uma palavra ou locução, apresentada inicialmente, se segue uma construção oracional em que essa palavra ou locução não se integra, exemplos: "As flôres... os pássaros... os córregos límpidos... Passei muito anos a admirar belezas do meu sítio natal". ELIPSE é a omissão, na frase, de têrmo presente em nosso espírito. Exemplo: "Viajei muito por terras estranhas" (omitiu-se o sujeito). PLEONASMO corresponde à repetição, com um têrmo determinante, da significação que já está implícita no têrmo determinado. Exemplo de Amador Arrais: "Onde há vergonha e honra, não se pode afirmar, senão o que se vê com os olhos ou se ouve dos dignos de fé". SILEPSE. Relacionamento de um elemento da frase ao que está implícito em nossa mente, em vez de pô-lo em referência estrita com o que está realmente expresso. Exemplo: "Vendo ali o seu cuidado, vestida da própria roupa" (cuidado, masculino, e vestida, feminino. Cuidado aí é a mulher, a dama, o amor).

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Merece aplausos o governador e o secretário Macieira pelo pagamento, antes do Natal, dos vencimentos de novembro e dezembro ao funcionalismo. Mas é necessário corrigir injustiças. No govêrno Helvídio Nunes, houve pagamento de novembro no principio de dezembro, e pagamento de dezembro antes do Natal. Da mesma forma se verificou em 1970, administração Clímaco de Almeida.

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Vindo de Londres, a professôra Ercília Freitas, aperfeiçoada em assuntos educacionais, trouxe-me mapa da Inglaterra de 1579. Magnífica lembrança.

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Li muita coisa a respeito da celebrada Batalha do Jenipapo (Campo Maior). Batalha da unidade nacional. Fiz resumo dos antecedentes dêsse episódio histórico (13-9-1923). Luta de cinco horas (nove da manhã a duas da tarde). Descrevi a batalha. Os processos estratégicos dos dois lados (brasileiros e portuguêses). Publiquei o trabalho nesta coluna. Pretende o governador Alberto Silva pagar dívida: monumento aos bravos da Batalha de Jenipapo. Grande ideia. Merece o governador apoio de todos os piauienses. Faz poucos dias aqui estêve o arquiteto Rui de Lagos Cirne, de Minas. Jovial, inteligente, de agradabilíssima palestração. Fomos os dois - eu e êle, naturalmente - a Campo Maior, ao local exato da Batalha, margens do Jenipapo. Mostrei-lhe tudo. Vai projetar o monumento cívico. Alberto Silva pagará dívida de honra, tenho certeza. Construirá o monumento para que contemporâneos e porvindouros se honrem, séculos afora, da bravura dos que contribuíram, decisivamente, para a Independência pátria e para a conquista da unidade nacional.

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Leio BRUXARIA NO PÉ DE FEIJÃO, de Maria Helena Coelho, jovem de 25 anos e já proprietária de personalidade invulgar no mundo das letras. a lucidez intelectual de Moacir C. Lope ("Maria de cada pôrto") disse de Maria Helena: "Maria Helena Coelho é êsse estado de loucura, o anjo caído buscando organizar seu próprio inferno, ela é o símbolo e síntese de milhões de jovens que procuram, cada um isoladamente e com seus próprios meios, organizar seu inferno particular como uma casamata para resistir ao inferno-global mcluhaniano. Poucos terão expresso com tamanha clarividência na sua loucura, essa caminhada caótica pela escuridão. É uma obra de arte êste BRUZARIA DO PÉ DE FEIJÃO". Bem salienta Moacir que Maria Helena simboliza e sintetiza milhões de jovens, num mundo em que a família não transmite cultura, em que os homens se tornaram superficiais, em que o poder industrial desespiritualiza a humanidade para torná-la escrava do prazer, do luxo, do erotismo, materializada, enfim. Linguagem viva, trepidante como a civilização da máquina, linguagem nova, nervosa como as personalidades das jogatinas e da uiscaria do século XX, linguagem atormentada, de ansiedade, linguagem-de-sabafo:

"Aí eu estou tentando, vocês perceberam, desde o começo do livro, mas a minha profecia é outra, eu juro que a minha profecia é outra, é de uma guerra muito mais significativa, eu sou é medieval, sabe, eu sou é entidade de floresta, eu sou é dos cabelos tristes, embora também de terra, mas uma terra de formação minha, muito qualificativa e sensorial de sentido meu, sabe, eu sou é disso, e lamento a ausência dos cavalos. X Eu gosto é de ver os cavalos encontrando as fêmeas, emboar me deixando, me deixando, embora eu no prejuízo, se mestrada, embora eu-ponte, embora eu-dona. X Mas a pacificação e a resignação também fazem parte de mim, quietando eu meu sangue na fervura um gôzo, abrandando eu a escada só o tempo, e a obrigação-degrau por degrau: só-a-guerra. X Compreenderei tudo que me fôr mostrado! X Compreenderei tudo de nôvo que me for mostrado. X Compreenderei a ausência do Júbilo, a maturação, o extermínio da Festa".

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Todo o livro de Maria Helena corresponde a uma posição diante da realidade, para o protesto, para a revolta, especialmente para a denúncia. Melhor: para a exposição. As angústias universais disseram PRESENTE: "Vi, depressão, depressão. X Bateu em mim e bastou. X Vi butiques de Copacabana. X Vi um carnevale. X E, na praia, chovia. X Estou louca, louca, desvairada e suja. Mas é preciso que saibam, sou uma mulher. X Suja como uma criança, mas sou uma mulher".

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Adiante, o drama psicológico do mêdo - o mêdo da solidão inquietante: "Deus bonito, me aquieta, para que eu não corra. X Nem fuja..."

E a intuição intelectual para o sentimento da atualidade nestoutro trecho, como que a fisionomia da mocidade na escuridão, tonteada, sem horizontes, na busca da felicidade artificial: "Quero... o que eu quero? X Meu deus, que lucidez incrível! X Botei deus com letra minúscula agora por lucidez. X Droga, que droga, mas eu quero a noite. X A noite não vem, há dias que quero. X Resolvi ser manhosa, vou até chorar. X Vocês querem me dar um mundo cheio de rosas, querem; Vocês querem cuidar um pouco ao menos de mim; vocês querem, por favor, me fazer dormir, querem? X Resolvi pedir. X Êsse o meu livro primeiro, e vocês deviam cuidar de mim. X Afinal eu peço tanto, e vocês não me dão nada".

O livro de Maria Helena vale o sofrimento do mundo como está. Obra de dimensão social. As inversões sexuais: "Na praia, eu estava um dia molhada, e a fúria era tanta guardada, que o menino que apareceu, eu amei; eu, uma mulher, fazer amor num menino...".

O drama da fome: "Há muito que deixei de andar com homens-intelectuais. X Eu agora ando com padeiros. X É que eu misturo alegria com vontade de ter pão em casa. E durmo com o homem que o faz. E amo com o homem que o traz".

Obra-prima de montagem da realidade: o espantalho da guerra ("OS meninos dormiam X E dormiam de couração X Porque não se sabia a hora X Da guerra"), a fome de dinheiro para a civilização de confôrto que a civilização da máquina atual ("As mãos suplicadas dos cobradores não são de ninguém: são dos agiotas - únicos de deuses, no setor"), a compreensão do outro lado da vida ("...desespêro que nascem com frustração do Sem-Natal") - ao cabo de contas a visão das agonias humanas, das imperfeições educacionais, da falta de horizonte e de luz para a caminhada total. Como bem definiu Moacir C. Lopes: "Mas em tôdas as peças que compõem êste livro, o eu-personagem está rodeado de outros personagens que necessitam ser desvendados, e se debatem e se angustiam na escuridão dessa imensa aldeia global, contaminada, além dos muros de nossos infernos particulares, pela poluição humana" - a poluição humana do ódio, da desconveniência, da educação para o prazer, do inumano - acrescento eu.    
          

In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 2, 25-16 dez. 1971.

sábado, 1 de novembro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (191)

MISSIVA cordial. De São Luís, com data de 16-12-71: "Professor Tito Filho. Só hoje nos chegou ao conhecimento a apreciação de V. Exa. sôbre o nosso modesto trabalho VOZ DA RAZÃO. Acreditamos que V. Exa., adotando as normas dos doutos, como medida salutar de estímulo e incentivos para  a conquista de êxito satisfatório no enriquecimento da inteligência, fôra, de conseguinte favorável ao nosso trabalho, mais por generosidade do que por merecimento. Trazemos, pois, a V. Exa. o nosso comovido agradecimento, que também envolve os honrosos conceitos de V. Exa. sôbre a nossa família no Piauí e, em particular, pela manifestação de aprêço de V. Exa., quando se referira à personalidade de Cromwell Carvalho, irmão de tanta estima e amizade. a) Fernando Barbosa de Carvalho".

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Agudo e simples. Nome: Jomard Muniz de Britto. Livro: "Do Modernismo à Bossa Nova". Obra necessária a estudantes e mestres, a críticos, a quem queira ter interpretação da literatura dêste país a partir de 1922 e da música popular, fonte de tantas mensagens sociais, a partir de Noel Rosa. Diz Jomard que não fez trabalho de historiador, nem de crítico, mas de filosofia da cultura nacional. O autor, num dos capítulos, demonstra o problema da compreensão artística, que reclama tratamento especial pela escola. Preparar o homem para que ele possa ler, efetive capacidade de análise. Orientação estética. Conhecimento básico da história e da sociologia da cultura.

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Li, neste jornal, que "diversos auxiliares do govêrno vão viajar para passar o natal com as suas famílias". Pensava eu que os auxiliares do eminente governador Alberto Silva aqui residiam em companhia dos familiares. Aliás, alguns auxiliares do govêrno estão viajando muito. Resta saber se cada qual paga as respectivas despesas de passagem.

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TENHO lido nos jornais e nos convites para solenidades de diplomação barbarismos como VESTIBULANDO, ODOTOLANDO, TECNOCOLANDO, NORMALISTANDO. Isto com o apoio, a solidariedade, a chancela das autoridades, de diretores e da própria Universidade do Piauí. São palavras, porém, mal formadas, como FARMACOLANDO, AGRONOMANDO.

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ÊSTE JORNAL DO PIAUÍ noticiou que os técnicos do Projeto Piauí se encontram em Parnaíba. E disse que os ilustrados estudiosos cogitam das "perspectivas turísticas", da "criação de uma cooperativa na praia do Coqueiro" e do "treinamento de famílias com vistas ao Natal". Tudo publicado neste órgão. a gente só acredita porque o jornal merece fé. Para isto vieram mestres de sociologia, de antropologia, de psicologia, ao Piauí? Outro dia foi o caso de o Projeto Piauí adotar sistema de matar ratos e baratas no Parque Piauí. Agora, turismo, criação de cooperativa (cousa batida, cansada) e treinamento de família para os festejos natalinos. Decididamente o Piauí não abdica de ridicularias pelo torto e pelo direito.

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TÊRÇA-FEIRA, dia 21, saiu nesta coluna: "E Rui Barbosa FAZEM na paz do túmulo". Escrevi JAZEU, sim JAZEU, do verbo JAZER, permanecer.

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OPORTUNA, séria, bem argumentada a palestra do deputado Pinheiro Machado em defesa dos municípios brasileiros. Num trecho, sustenta criteriosamente o parlamentar: "De início, não cremos que o Govêrno Federal venha a utilizar a fórmula simplista de supressão de municípios - mais de um milhar dêles - tidos como inviáveis. Acreditamos, ao contrário, que o expurgo das distorções ocorridas no passado já foi feito e que, salvo exceções flagrantes e facilmente comprováveis, a grande maioria dêsses municípios tem condições de autogovernarem-se desde que lhes seja dada a assistência administrativa de que carecem. E mais do que isso, dêles necessita o Brasil, para a grande arrancada da ocupação e da integração do imenso território nacional".

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PARA justificar o estádio Albertão, de sessenta mil lugares, numa cidade de duzentos e trinta mil habitantes, incluindo-se os habitantes da zona rural, os mendigos, os anciões, os aleijados, as criancinhas, os que não suportam futebol, meu parente Murilo Resende (parece que tivemos duas avós irmãs) afirma que Teresina, em 1980, terá quinhentos mil habitantes. Murilo pensa que população é progresso. Quer uma cidade MONARCA de grande, como dizem os tabaréus. Murilo deve ler o deputado Pinheiro Machado e abolir a mania de querer mal a Teresina. Pois leia-o: "A avalanche humana rumo aos grandes centros tem criado problemas de tal ordem que, recentemente, o prefeito de uma grande capital brasileira, viu-se obrigado a admitir que sua cidade não tinha mais condições de atender ao enorme crescimento oriundo das volumosas migrações rurais, chegando a apelar que cessassem tais correntes migratórias". Refere-se o deputado Pinheiro Machado ao prefeito de São Paulo. Eis outro pedaço do citado parlamentar: "Há poucos dias o eminente economista Rubens Costa, Presidente do Banco Nacional de Habitação, em importante conferência realizada em São Paulo, alertou a nação para a necessidade de coordenar-se o crescimento dos grandes centros urbanos, crescimento que traz no seu bojo graves problemas econômicos e sociais". Murilo deve meditar ainda sôbre esta sugestão do dep. Pinheiro Machado - fartalecimento do porque no município brasileiro - para "atenuar a vertiginosa saturação dos grandes centros, dando-lhes o hiato necessário para ordenarem o seu próprio crescimento e evitando, tanto quanto possível, a formação intempestiva das gigantescas megalópoles, com todo o seu cortejo de problemas correlatos". Murilo lembra-se de que o estádio Lindolfo Monteiro não ficou lotado no dia do Cruzeiro com tostão, embora o govêrno distribuísse ingressos gratuitos a granel. E mais esta lembrança ao bom Murilo: o que mais se vende nesta cidade se chama PÍLULA ANTICONCEPCIONAL. Até os nossos bons caboclos já sabem da PIULA, como êles e nós outros piauienses.

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Escrevi nesta coluna a respeito do acordo entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia de Ciências de Lisboa - acôrdo para algumas alterações nas normas ortográficas de 1943. Pois o acôrdo tornou-se lei e vigorará a partir de 16 de janeiro de 1972. As emprêsas editôras de livros e publicações - diz "O Globo", do Rio, têm prazo de quatro anos para cumprimento da lei. As alterações foram por mim expostas neste canto faz alguns dias. Passarei a observar a legislação de 16 de janeiro em diante.

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UM APÊLO ao magnífico reitor da Universidade do Piauí: mande retirar de circulação, com urgência, o trabalho mimeografado "Ensino e Avaliação". Mal redigido. Adaptado de livros estrangeiros. Obrigado pelo atendimento do pedido.

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AINDA não me foi possível preparar as notinhas prometidas a respeito da literatura piauiense. Paciência. O Albertão me tem dado muito trabalho. Depois de concluído vai dar trabalho a muita gente, menos a mim.

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Ontem saiu aqui IRMÃES, mas escrevi IRMÃS.       



TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 2, 23 dez. 1971.

sábado, 25 de outubro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (190)

"GEOGRAFIA ILUSTRADA", edição dedicada ao Piauí, recentemente vendida, estampa o seguinte: "Em meados do século XVII os rebanhos começaram a se distanciar do rio São Francisco. A partir do Recife e de Salvador, os sertanistas convergiram para a região do médio Parnaíba, entre o Gurguéia e o Poti. Entre êles, dois nomes se destacam: Domingos Afonso Mafrense, rendeiro da Casa da Tôrre de Garcia d'Ávila, e o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho. Deixando o São Francisco, desceram os rios Gurguéia e Poti, percorrendo a região que vai do Gurguéia ao Poti".

Pela indicação transcrita, entende-se que o português Mafrense e o paulista Jorge Velho andavam juntos, em busca das terras piauienses.

Muito se tem discutido a respeito da presença de Jorge Velho no Piauí. Na "História Geral do Brasil", o notável Varnhagen afirma: "É menos exato que neste descobrimento (do Piauí), tivesse parte o paulista Domingos Jorge".

João Pinheiro admite que Jorge Velho tenha passado, CASUALMENTE, "por êstes longínquos rincões". Num livro muito curioso ("Aconteceu no Velho São Paulo") o historiador Raimundo de Menezes assim se refere ao paulista: "Pertinho de São Paulo, na vila de Parnaíba, foi que nasceu Domingos Jorge Velho. Seus pais eram dois antigos paulistas: Simão Jorge e dona Francisca Álvares. Desde meninote sentiu atração pela selva. E mal lhe apareceu o buço ganhou o mundo. Rumou, de preferência, para o norte do Brasil. Andou de déu em déu".

O trabalho de João Pinheiro - O descobrimento do Piauí e o documento de Pereira da Costa muito esclarece a questão. Pereira da Costa, na "Cronologia", transcreve requerimento da viúva e dos oficiais comandados por Jorge Velho. Queriam terras invocando serviços prestados ao Estado - afirma o documento. E dizem que vinte e quatro ou vinte e cinco anos antes da guerra dos Palmares, Jorge Velho habitava o Piauí. Observe-se que Jorge Velho foi para Palmares combater os negros rebeldes, a chamado do governador de Pernambuco, Souto Maior, em mil seiscentos e oitenta e sete.

O requerimento da viúva diz ainda que, saindo para Palmares, Jorge Velho largou "terras, povoados, criações e lavouras sem reparo algum para servir Sua Majestade".

Analisando êsse documento, João Pinheiro oferece estas considerações:

1) em 1662 ou 1663, Jorge Velho saiu de São Paulo e chegou ao interior do Piauí.

2) estabeleceu-se com fazendas de gado ao longo do Parnaíba e do Poti.

3) vinte e cinco anos depois deixou bens e criações e dirigiu-se para Palmares.

4) a ida para Palmares verificou-se em 1687.

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A quem cabe a prioridade do DEVASSAMENTO do Piauí? A Jorge Velho? A Mafrense? Pelo documento referido, transcrito na "Cronologia" de Pereira da Costa, cabe a Jorge Velho, pois Mafrense (Domingos Afonso Sertão), segundo Rocha Pita (citado por Odilon Nunes), penetrou o Piauí e, 1671. Nessa ocasião se encontrou com Jorge Velho que "chegara àquela parte pouco tempo antes que o capitão Domingos Afonso a entrasse" (Rocha Pita - citação de Odilon Nunes).

A documentação a respeito de Mafrense, porém, é de 1674 e não de 1671. Odilon Nunes escreve 1674 como data da chegada de Mafrense.

João Pinheiro, apoiado sôbre eruditos estudiosos do assunto, refuta a prioridade de Jorge Velho, transcrevendo opiniões de:

- Alencastre (aponta Mafrense como descobridor do Piauí).

- Rocha Pombo (encara com dúvida a tese da prioridade de Jorge Velho).

- Barbosa Lima Sobrinho e Basílio de Magalhães (rejeitaram o documento da "Cronologia" de Pereira da Costa).

- Pedro Taques (não aponta Jorge Velho entre os paulistas que houvessem chegado ao Piauí).

Acentua João Pinheiro: "do evidenciado se infere que é completamente improcedente a asserção de que Domingos Jorge Velho tivesse permanecido em terras piauienses no tempo a que se refere o documento de Pereira da Costa, que ali tivesse edificado qualquer povoação ou deixado benfeitorias cujas vagas recordações, ao menos, perdurassem na memória dos pósteros como o mais insignificante traço de sua passagem".

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O requerimento da viúva de Jorge Velho afirma que êste deixou o Piauí para a Guerra dos Palmares. Não é verdade, embora o ilustrado e seguro Odilon Nunes, pesquisador notável da história do Piauí, afirme: "Resolve então o Governador de Pernambuco convidar os paulistas do Piauí para a destruição de Palmares".

João Pinheiro registra patente do Governo Geral, passada a Jorge Velho, em que se afirma que êle (na empresa de Palmares) "se abalou da Vila de são Paulo". O citado João Pinheiro passa a referir-se a Barbosa Lima Sobrinho, que afirma haver Jorge Velho deixado São Paulo para a guerra de Palmares.

Barbosa Lima Sobrinho escreve o testemunho de Matias da Cunha, governador geral do Brasil, arcebispo Manuel da Ressurreição, Câmara Coutinho e outros. Conclui João Pinheiro: "É, portanto, inteiramente fora de dúvida que, para a conquista dos Palmares, Domingos Jorge Velho partiu da antiga vila de São Paulo, onde se encontrava, e não do Piauí, conforme pretende o documento de Pereira da Costa".

A respeito do fato, leio em Raimundo de Menezes: "Estava êle, naquela época - alturas de 1687 - no seu presídio do Piancó, como assim chamava tais paragens, fugindo à perseguição que lhe moveram, em Piratininga, os políticos da família Camargo, quando o procuraram três portadores com mensagens e cartas do governador da Capitania de Pernambuco. Eram frei André de Anunciação, carmelita calçado, Cristovão de Mendonça Uchoa, escudeiro das milícias, e o capitão Belchior Dias Barbosa. O governador João da Cunha Soto-Maior mandava convidar com uma carta ao dito Mestre de Campo (Jorge Velho) para vir fazer a guerra dos ditos negros. Os DITOS NEGROS estavam, há quase cinquenta anos, dando bem o que fazer, atocaiados nos famosos Quilombos dos Palmares, enfrentando a tudo e a todos, com o maior destemor e a mais afoitada audácia".

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Interessante ler o que escreveu Azevedo Marques: “êste audaz paulista durante anos entreteve-se nos sertões do Piauí em correrias contra os selvagens, fundando cêrca de cinquenta fazendas de criação de gado, das quais vinte e quatro com setecentos e onze escravos, ainda há pouco tempo pertencentes ao Estado".

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Engana-se redondamente Azevedo Marques. As fazendas foram trabalho de Mafrense, que deixou testamento, confiando-as à administração dos jesuítas "até o fim do mundo".

As fazendas de Mafrense passaram à Coroa Portuguêsa quando Pombal expulsou de Portugal e colônias os jesuítas e confiscou-lhes os bens. Com a Independência do Brasil, denominaram-se Fazendas Nacionais. Ao tempo da Assembléia Constituinte de 1946, o deputado Adelmar Rocha apresentou emenda transferindo-as para o patrimônio do Piauí. Aprovada a proposta, foi esta incorporada ao texto das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1946 - e ainda hoje elas pertencem ao Piauí, depois de enriquecer muitos espertalhões, nunca punidos.

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No testamento de Domingos Mafrense há esta confissão: "Declaro que sou senhor e possuidor da metade das terras, que pedi no Piauhy com o coronel Francisco Dias d'Ávilla e seus irmãos, as quais terras descobri e povoei com grande risco de minha pessoa, e considerável despeza com adjutório dos sócios, e sem eles defendi também muitos pleitos, que se moveram sobre as ditas terras, ou parte dela".

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J. M. Pereira de Alencastre (citado por João Pinheiro) atestou: "... Domingos Afonso Sertão (Mafrense) e seu irmão que sempre serão tidos como únicos descobridores associando a seus nomes os de Francisco Dias de Ávila e Bernardo Pereira Gago, que, poderosamente, os auxiliaram nas despesas da conquista, sendo, também, dos primeiros a gozar de seus frutos".



TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 6, 30 dez. 1971.