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quarta-feira, 27 de maio de 2015

CADERNO DE ANOTAÇÕES (200)

Com o título UM LIVRO DE MÉRITO LITERÁRIO, mestre Cunha e Silva, com superior talento crítico, escreveu o seguinte:

"Durante alguns anos, no Colégio Estadual Zacarias de Góis, fui colega de magistério da saudosa Professora Cristina Leite - mulher das mais inteligentes que conheci. Nos intervalos de aula, inúmeras vezes, entretive com ela conversas instrutivas, pelas quais verifiquei que ela era possuidora de inteligência arguta e penetrante, exornada de vários conhecimentos humanísticos. Os assuntos preferenciais das suas palestras comigo eram questões linguísticas e de literatura, quando não versávamos sobre temas filosóficos e sociológicos. Cristina Leite possuía mentalidade arejada, imunizada de preconceitos e superstições, e não se detinha na prosa corriqueira, não comentava trivialidades e futriquices da vida social e profissional. Tinha sempre aprumo na conversação sadia e séria que tanto me deleitava o espírito. Não estranhei, por conseguinte, quando A. Tito Filho, com a penetração crítica da sua inteligência privilegiada, me falou, dias atrás, do livro de Cristina Leite agora dado à publicidade, exaltando-lhe o mérito incontestável de ser o primeiro escritor em nosso país a fazer o estudo comparativo entre a poesia popular do século XII, oriunda da poesia provençal, e a poesia popular da época contemporânea, como é espelho a do Brasil. A autora de CANÇÕES DE HOJE - CANÇÕES DE OUTRORA soube tão bem apreciar a evolução da poesia popular e mostrar a similitude sentimental e emotiva que existe entre o lirismo medieval e o lirismo de nossos dias, como disse A. Tito Filho no prefácio do livro, demonstrando, mais uma vez, que é autoridade nos estudos do nosso Vernáculo e da nossa Literatura, pelo que o reputo maior crítico literário de nossa terra, mas crítico sem os azedumes de certos críticos literários que só descobrem falhas nas obras literárias que lhes levam para apreciação e nunca têm palavras de estímulo aos autores principiantes, quer de livros em prosa, quer de livros em verso. Pela análise e confronto que Cristina Leite fez da canção popular medieval, em épocas e países diferentes, com a dos nossos dias, aliás, com a originalidade que eleva, sobremodo, o valor literário do seu livro ora em circulação em nosso meio é que se deduz que a alma do povo é a mesma em todos os tempos. As canções e cantorias de ontem e as canções de hoje, com as diferenciações de linguagem e apresentação vocabular, traduzem os sentimentos e aspirações do povo com as expansões peculiares a cada época. Não há progresso científico ou técnico que consiga matar na alma do povo o amor à literatura, o amor às musas, à prosa, às artes e à oratória, à poesia que se manifesta sob múltiplas formas e estilos. Os trovadores, os seresteiros, os bardos e vates de todas as escolas literárias nunca deixarão de existir. Pelo talento e originalidade com que a escritora Cristina Leite se expressou em seu livro magnifico, a leitura dele aumentou em mim a convicção de que a poesia popular, como fonte de inspiração da sabedoria do povo, independe de graus de cultura e de civilização, ela surge, viva e exuberante, tanto entre os povos mais atrasados, como entre os povos mais cultos e adiantados. Os povos, em todas as idades históricas, têm as suas angústias, as suas alegrias, as suas dores, os seus sofrimentos, os seus amores e paixões, os seus sonhos e quimeras, enfim, os seus problemas políticos e sociais e as suas competições econômicas e reivindicações territoriais, e tudo isso vem servindo de inspiração aos poetas, trovadores, músicos cantores. Vejam a ILÍADA e a ODISSEIA, de Homero, os LUSÍADAS, de Camões, e os versos de fundo social do nosso sublime Castro Alves. Vejam as produções do nosso folclore e o de outros países; as canções e cantos dos nossos poetas antigos e contemporâneos; as improvisações poéticas dos repentistas e violeiros dos nossos sertões. Constituiu, pois, para mim, grande prazer intelectual a leitura do interessante livro de Cristina Leite, em vida consagrada como professora competente e amada pelos alunos, depois de morta receberá, agora, com toda a certeza, a consagração popular como escritora talentosa e brilhante. Agradeço ao douto confrade A. Tito Filho a oferta que me fez dum exemplar do valioso livro da inolvidável Professora Cristina Leite - Mestra que tanto honrou o magistério piauiense com os fulgores de sua cultura e com os exemplos edificantes do seu coração bondoso, sensível por demais às misérias do próximo e revoltada contra as injustiças sociais".



TITO FILHO, A. Caderno de Anotações. Jornal do Piauí, Teresina, 02 fev. 1972, p. 3.