Com o título UM LIVRO
DE MÉRITO LITERÁRIO, mestre Cunha e Silva, com superior talento crítico,
escreveu o seguinte:
"Durante alguns
anos, no Colégio Estadual Zacarias de Góis, fui colega de magistério da saudosa
Professora Cristina Leite - mulher das mais inteligentes que conheci. Nos
intervalos de aula, inúmeras vezes, entretive com ela conversas instrutivas,
pelas quais verifiquei que ela era possuidora de inteligência arguta e
penetrante, exornada de vários conhecimentos humanísticos. Os assuntos
preferenciais das suas palestras comigo eram questões linguísticas e de
literatura, quando não versávamos sobre temas filosóficos e sociológicos.
Cristina Leite possuía mentalidade arejada, imunizada de preconceitos e superstições,
e não se detinha na prosa corriqueira, não comentava trivialidades e
futriquices da vida social e profissional. Tinha sempre aprumo na conversação
sadia e séria que tanto me deleitava o espírito. Não estranhei, por
conseguinte, quando A. Tito Filho, com a penetração crítica da sua inteligência
privilegiada, me falou, dias atrás, do livro de Cristina Leite agora dado à
publicidade, exaltando-lhe o mérito incontestável de ser o primeiro escritor em
nosso país a fazer o estudo comparativo entre a poesia popular do século XII,
oriunda da poesia provençal, e a poesia popular da época contemporânea, como é
espelho a do Brasil. A autora de CANÇÕES
DE HOJE - CANÇÕES DE OUTRORA soube tão bem apreciar a evolução da poesia
popular e mostrar a similitude sentimental e emotiva que existe entre o lirismo
medieval e o lirismo de nossos dias, como disse A. Tito Filho no prefácio do
livro, demonstrando, mais uma vez, que é autoridade nos estudos do nosso
Vernáculo e da nossa Literatura, pelo que o reputo maior crítico literário de
nossa terra, mas crítico sem os azedumes de certos críticos literários que só
descobrem falhas nas obras literárias que lhes levam para apreciação e nunca
têm palavras de estímulo aos autores principiantes, quer de livros em prosa,
quer de livros em verso. Pela análise e confronto que Cristina Leite fez da
canção popular medieval, em épocas e países diferentes, com a dos nossos dias,
aliás, com a originalidade que eleva, sobremodo, o valor literário do seu livro
ora em circulação em nosso meio é que se deduz que a alma do povo é a mesma em
todos os tempos. As canções e cantorias de ontem e as canções de hoje, com as
diferenciações de linguagem e apresentação vocabular, traduzem os sentimentos e
aspirações do povo com as expansões peculiares a cada época. Não há progresso
científico ou técnico que consiga matar na alma do povo o amor à literatura, o
amor às musas, à prosa, às artes e à oratória, à poesia que se manifesta sob
múltiplas formas e estilos. Os trovadores, os seresteiros, os bardos e vates de
todas as escolas literárias nunca deixarão de existir. Pelo talento e
originalidade com que a escritora Cristina Leite se expressou em seu livro
magnifico, a leitura dele aumentou em mim a convicção de que a poesia popular,
como fonte de inspiração da sabedoria do povo, independe de graus de cultura e
de civilização, ela surge, viva e exuberante, tanto entre os povos mais
atrasados, como entre os povos mais cultos e adiantados. Os povos, em todas as
idades históricas, têm as suas angústias, as suas alegrias, as suas dores, os
seus sofrimentos, os seus amores e paixões, os seus sonhos e quimeras, enfim,
os seus problemas políticos e sociais e as suas competições econômicas e
reivindicações territoriais, e tudo isso vem servindo de inspiração aos poetas,
trovadores, músicos cantores. Vejam a ILÍADA e a ODISSEIA, de Homero, os
LUSÍADAS, de Camões, e os versos de fundo social do nosso sublime Castro Alves.
Vejam as produções do nosso folclore e o de outros países; as canções e cantos
dos nossos poetas antigos e contemporâneos; as improvisações poéticas dos
repentistas e violeiros dos nossos sertões. Constituiu, pois, para mim, grande
prazer intelectual a leitura do interessante livro de Cristina Leite, em vida
consagrada como professora competente e amada pelos alunos, depois de morta
receberá, agora, com toda a certeza, a consagração popular como escritora
talentosa e brilhante. Agradeço ao douto confrade A. Tito Filho a oferta que me
fez dum exemplar do valioso livro da inolvidável Professora Cristina Leite -
Mestra que tanto honrou o magistério piauiense com os fulgores de sua cultura e
com os exemplos edificantes do seu coração bondoso, sensível por demais às
misérias do próximo e revoltada contra as injustiças sociais".
TITO FILHO, A.
Caderno de Anotações. Jornal do Piauí,
Teresina, 02 fev. 1972, p. 3.