DA CORRESPONDÊNCIA -
Para leitura em programação radiofônica recebo a seguinte, com data de
17.10.70: "Professor Tito Filho. No
dia 23, vou viajar para Brasília. Uma temporada a convite de duas filhas que
tenho lá, doutôras Balbina Arnaul Mendes, diretora do Pessoal da Câmara dos
Deputados, e Neuza Arnaud Mendes, funcionária do Conselho de Segurança
Nacional.
"Quero, por intermédio de seu valioso programa,
despedir-me de todos os meus amigos, pondo os meus préstimos à disposição de
todos, naquela capital.
"Vou contar mais um caso, acontecido aqui, no dia 23
de fevereiro de 1923, véspera de uma eleição para senador, cujo candidato único
era o dr. Pires Rebêlo.
"Eu tinha um amigo e compadre de fogueira,
proprietário residente nas imediações do povoamento Boquinha, que não era
eleitor por ser analfabeto, entretanto dispunha de um grupo de dez eleitores,
seus agregados. Meu compadre aqui chegou comandando êsse grupo. Depois de
entregar os eleitores aos cuidados de coronel Delfino Vaz, que era o seu chefe,
hospedou-se comigo, o que foi motivo de satisfação para mim. Estava anunciada
uma reunião política, de noite, no Cine Olímpia, de propriedade do maestro
Pedro Silva, onde hoje é a Distribuidora Brasília. Saí com meu compadre para a
reunião. Quando lá chegamos já haviam sido iniciados os trabalhos, estando com
a palavra o dr. Mário Batista. Fomos alvo de tôdas as atenções e risadas, pelo
motivo de o meu compadre ter dado BOA NOITE para todos em voz alta,
interrompendo o orador por alguns instantes. Terminada a reunião, anunciaram a
passagem de um filme oferecido aos eleitores. Meu compadre ficou ansioso para
vê-lo, pois não conhecia cinema.
"O assunto era passado na África, em lugar de muitas
feras. Uma mulher, de carabina a tiracolo, sala para o riacho com a finalidade
de lavar roupas, deixando duas crianças trancadas em casa. Logo após chegava
uma onça e começava a forçar a porta. Meu compadre, vendo o desespêro das
crianças, que corriam de lado a lado, avançou em direção ao palco, gritando que
fôssemos acudir os meninos, e dizendo em altas vozes que não era possível entre
tantos sêres humanos que se permitisse à onça matar as crianças. Segurei-o pelo
paletó, pedindo-lhe que tivesse calma, pois nada aconteceria.
"Quando a mulher se aproximou e fêz pontaria para a
onça, o compadre pulou para trás de uma coluna que havia na entrada, e pediu-me
que fizesse o mesmo. Acreditava que uma daquelas balas poderia atingir-nos. Não
foi só. Com tiro certeiro a onça foi abatida. O compadre, então, fêz nova investida
em direção ao palco, pois pretendia adquirir um couro de onça.
"Com muito jeito, consegui retirá-lo para fora do
cinema. Demonstrava êle aborrecimento por não ter podido ver a onça de perto.
Assim seu constante admirador a) Manoel da Silva Mendes".
In: TITO FILHO, A.
Caderno de anotações. Jornal do Piauí,
Teresina, p. 2, 23 jan. 1970.
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