Muito oportuna a "Síntese Bibliográfica da Literatura Piauiense", esfôrço de J.
Miguel de Matos. Mostra o autor, inicialmente, as razões da pobreza literária
desta terra. Oferece opinião própria e transcreve também trechos de estudos de
João Pinheiro, Tito Filho, Martins Napoleão, Cristino Castelo Branco. De mim,
como testemunho de bondade, diz J. Miguel de Matos: "Estudioso dos problemas literários do Piauí, como a maior voz no campo
cultural da atualidade, trinta e um anos depois do grito de alerta de João
Pinheiro, mostra, em trabalho publicado na revista DESTAQUE que a paisagem não
mudou em quase nada, pelo menos em relação ao escritor piauiense, na sua via
crucis de publicar e vender o livro que escreve acossado por dificuldades de
toda ordem". Em seguida Miguel de Matos transcreve trecho de trabalho
meu, assim redigido: "Grave é o
problema da publicação do livro no Piauí. Concebe-se a obra, matuta-se nela, no
seu assunto, no seu fundamento, no seu desenvolvimento, no seu acabamento - e
aí se fica, porque o intelectual piauiense, isolado dos movimentos literários,
desconhecido junto às editôras, sem recursos financeiros, não pode publicar a
obra, salvo com o sacrifício de raquíticas economias dos pés-de-meia de contas
bancárias populares, ou com ônus dos empréstimos que o angustiarão por muito
tempo".
Diz Miguel: "Registro mais, aqui, dois depoimentos que completam o conceito-denúncia
de Tito Filho". E transcreve considerações dessas cabeças
extraordinárias, Martins Napoleão e Cristino Castelo Branco.
Críticos nacionais têm dito que o Piauí
possui notáveis homens de saber, ignorados do resto do Brasil. Leio em Afonso
Costa: "Abolida a monarquia, Estados
há, como havia província, que continuam a viver quase estranhos ao organismo
nacional. Êsse isolamento, no regime republicano, é ainda maior do que no velho
sistema monárquico, pela pseudo-autonomia estadual de que fatuamente se
orgulham, e se faz sentir, com mais precisão, no domínio das letras, embora
cada um dêsses Estados, como Sergipe, Piauí, Ceará, Bahia e Pernambuco, possa
apresentar, em vários ramos da ciência e especialmente na literatura, nomes
ilustres, que ombreiam com os mais insignes da capital da República, onde muito
prosador, poeta e economista vive à sombra das glórias e dos méritos que entre
si mesmos distribuem os congregados da conhecida igrejinha do elogio mútuo".
Também me recordo das palavras de Heitor
Liraros os que leiem. Há muitos conhecedores de tique penso, que tem vivido
sempre em Teresina e a isso acabo de atribuir o fato de não ser mais conhecido.
Nesta chapada há ainda uma circunstância: são
raros os que lêem. Há muitos conhecedores de títulos de livros. A mocidade foi
arrastada aos salões das bestiológicas tertúlias. Tertúlia quase todo dia.
Existem mais clubes nesta cidade do que entidades culturais. No Dia da Cultura
a cidade viveu de comentar a ausência de Pelé numa partida de futebol. Nesses
clubes se confirma o vazio da vida. Comes e bebes. Desfile de vestidos
comprados a prestação nas butiques de luxo. Ceias esticadas até madrugada. Tudo
fofo. Caridade paternalista do "natal dos pobres".
Miguel de Matos, apoiado sôbre João Pinheiro,
apresenta, no seu bom trabalho, as fases em que se distribui a chamada
literatura piauiense. E passa a citar os autores: Ovídio Carvalho e Silva,
Leonardo Castelo Branco, César Burlamáqui, Marcos Macedo, Coriolano, Teodoro
Castelo Branco, Luisa Amélia, Licurgo Paiva, Areia Leão, Cunha Martins, Costa
Alvarenga, Davi Caldas - e tantos outros. Em seguida, escreve crítica ligeira
de alguns como Da Costa e Silva, Ferry, Assis Brasil, Fontes Ibiapina, O. G.
Rêgo, Castro Aguiar, Altevir Alencar, Martins Napoleão, Félix Pacheco, Olímpio
Costa, Luís Lopes, Cristino, Bugyja, H. Dobal, Álvaro Pacheco, Gregório de
Morais, Mário Faustino, Barros Pinho, Miguel de Moura, Balduíno de Deus, Clóvis
Moura, William Dias - e transcreve apreciação que fiz a Miguel de Matos,
Herculano, Ribeiro e Silva e Conceição C. Branco.
De mim, diz Miguel de Matos: "Citado constantemente, no texto desta
pequena obra, como critico literário de primeira grandeza, é uma pena que o
professor e acadêmico José de Arimathéa Tito Filho não tenha ainda, obstaculado
pelas dificuldades publicitárias do meio, publicado uma obra de fôlego, êle
que, entre nós, constitui uma verdadeira máquina de fazer literatura, e da
melhor. Cito de sua autoria três obras de pequena monta, no sentido meramente
material, DA ATUALIDADE DO LATIM VULGAR, O PROBLEMA SOCIAL DA INFÂNCIA e
COMBUSTÌVEL E ALIMENTO. Tito Filho, sem nenhum favor, ode ser chamado de PADRINHO
de quase todos os intelectuais piauienses de sua geração e das gerações que vêm
sucedendo à sua. escolhido o assunto, estruturada e escrita a obra, lá vai o
estreante bater à sua porta à procura de um prefácio que lhe entusiasme a
publicação, afastando dêle, de imediato, o natural temor de enfrentar o terno
bicho-papão do pobre iniciante: o público. E assim vai êle, como muitos outros
talentos da terra, esbanjando inteligência e cultura na literatura das estações
de rádio e de jornais, edificando mais no vento o que poderia construir no
granito. Sua palestra, onde quer que se ache, derivada sempre para assuntos
culturais, é uma verdadeira aula".
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Devo esclarecer a Miguel de Matos que meu
livrinho DA ATUALIDADE DO LATIM VULGAR trata de assunto que nenhum estudioso
procurou evidenciar: todos nós falamos a mesma língua dos romanos, o latim, o
latim do povo, o latim transformado através dos séculos. Faço demonstração do
fato abundantemente. Ninguém neste país realizou trabalho assim. Mas sou piauiense
e moro em Teresina, e daqui só desaparecerei no rumo de um dos cemitérios
locais. Ou então "Prá Pasargada",
como Manuel Bandeira, para que eu me descanse de enfrentar as limitações do
cotidiano:
Vou-me
embora pra Pasárgada
Lá
sou amigo do rei
Lá
tenho a mulher que eu quero
E
a cama que escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada
Em
Pasárgada tem tudo
É
outra civilização
Tem
um processo seguro
De
impedir a concepção
Tem
telefone automático
Tem
alcalóide à vontade
Tem
prostitutas bonitas
Para
a gente namorar
E
quando eu estiver mais triste
Mas
triste de não ter jeito
Quando
de noite me der
Vontade
de me matar
—
Lá sou amigo do rei —
Terei
a mulher que eu quero
Na
cama que escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada.
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X X
Discordo de Miguel de Matos nas referencias
com que me incentiva. Valho muito pouco intelectualmente. Talvez seja o mais
insosso dos escrevedores desta terra. Mas discordo muito de Miguel de Matos
quando o autor de "Caminheiros da
Sensibilidade" atesta que no jornalista se EDIFICA NO VENTO. Não dos
nãos. Tôda a percuciente capacidade de João Brígido ficou nas páginas de "Unitário". Hipólito da Costa e
Evaristo da Veiga estão mais vivos do que mortos porque foram jornalistas. As
grandes vitórias intelectuais de Rui êle as conquistou no jornal - e copiada do
jornal saiu grande parte dos seus livros. Balzac adquiriu fama na imprensa.
Depois de famoso, começou a publicar "A
Comédia Humana". Os contos mais admirados de Machado de Assis saíram
em jornal. De crônicas estampadas na imprensa Raquel fêz livros. David Nasser
publicou bons livros com o que escreveu. Que seria de Rubem Braga sem a
imprensa? A obra de Rubem é coleção das crônicas oferecidas ao público pela
imprensa.
Muito longe estou de ombrear-me com êsses
heróis da inteligência. Tenho apenas alguns escritozinhos, mais de mil,
publicados em jornais. Assunto vário. Estudos jurídicos, crônicas, lingüística,
estudos sociais, memórias de pessoas e acontecimentos. Com vagar começarei o
trabalho gigantesco de publicar alguns livros.
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Cabe neste final de artigo uma indagação. A
gente pode dizer que EXISTE UMA LITERATURA PIAUIENSE? Comentarei o assunto em
próxima edição. Por hoje, estas considerações, e parabéns ao esfôrço de J.
Miguel de Matos pela publicação da "Síntese Bibliográfica da Literatura
Piauiense".
In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 5, 5 dez. 1971.
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