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sábado, 18 de outubro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (189)

CARTA recebida, com data de 23-11-71: "Prezado Ary. Ouço com maior atenção e vivo interêsse o seu programa, tôdas as vezes que vai ao ar, pela Rádio Difusora. Suas criticas constituem magnífica prova do seu valor como jornalista e intelectual. São equilibradas e merecem crédito porque são apresentadas com seriedade, inteligência, conhecimento e elevado espírito de justiça. Meus parabéns por tudo que tem feito pelo Piauí. Corre, na Comissão de enquadramento, processo de intêresse de três funcionárias do IAPEP que desejam ser enquadradas no cargo de Fiscal de Previdência. Soube, através de pessoa categorizada, do seu criterioso parecer no processo. Colocou as coisas nos seus devidos lugares, reconhecendo o direito de uma das postulantes. As outras duas, sem a menor condição. Nunca exerceram atividades relacionadas com as tarefas especificas de Fiscal de Previdência. A primeira, cujo direito você reconheceu, também não. Tem a seu favor a Chefia do Serviço que autoriza os trabalhos específicos do Fiscal de Previdência. Por certo você saiu com a conclusão de que quem pode muito pode pouco. Respeitados os aspectos jurídicos. Não desconhece você que as atribuições específicas constantes de processos de enquadramento dos fiscais da autarquia são as seguintes: promover fiscalização, junto aos órgãos arrecadadores das contribuições devidas ao IAPEP, sôbre a regularidade do processamento dessas atribuições e do seu recolhimento na forma das disposições legais e regulamentares específicas, orientando-os nesse processamento ou notificando quando incorrerem em infrações; faz(er) levantamento de débito proveniente de contribuições devidas e não recolhidas; executa outras tarefas semelhantes. Tarefas especificadas nos questionários de enquadramento dos Fiscais do IAPEP. O processo que tramita na Comissão não foi instruído com cópia de trabalho específico das tarefas de Fiscal de Previdência. Não, meu caro. Também não acredito que a atual Comissão de Enquadramento, composta de bacharéis dos melhores, onde se destaca com brilhantismo, ao lado dos demais membros não menos brilhantes, José Torquato, filho do meu saudoso coronel Torquato, não entenda que êsse enquadramento pretendido será a derrocada do Direito. Na certa você já deve estar imaginando um mundo de cousas. Perguntando a si mesmo: que é que o velho Florêncio tem com enquadramento de Fiscal de Previdência do IAPEP. Dou as razões. Meu neto, filho do Joel, foi aprovado no concurso realizado pelo instituto para preenchimento de duas vagas do cargo de Fiscal.  O vibrante órgão de imprensa local "O Liberal" denunciou que as duas vagas estavam destinadas a pessoas vinculadas ao govêrno da época. O governador Clímaco, tomando conhecimento da denúncia, fundada ou infundada, não discutiu, mandou anular o concurso. Foi aplaudido o velho Joaqueira. Tudo esquecido, até que surge o governador Alberto Silva criando mais uma vaga de Fiscal de Previdência. Os candidatos aprovados no curso anterior exultam de contentamento pensando que seria realizado nôvo concurso. Nada disso. Foi criado o lugar para acomodar as três candidatas pleiteantes ao cargo. Daí as razões de minha carta. Por tudo isso é que pergunto: está correta a atitude do presidente do IAPEP orientando o govêrno na criação de mais um lugar desnecessário? Está correta a atitude da Comissão de Enquadramento que pretende reconhecer um direito inexistente? Será que o governador Alberto Silva aceitará essa orientação incorreta do presidente e da Comissão? Pergunto ainda: será que "O Liberal", vigilante nos acontecimentos do IAPEP, ainda não conseguiu desvendar o ministério para denunciar essa situação que merece as atenções e reclama um corretivo urgente? Por que não promovem um nôvo concurso, para dar oportunidade à juventude estudiosa? Caso seja concretizado o enquadramento cabe uma ação popular na Justiça? O cansaço da velhice não permite que prossiga as minhas indagações. Deixo a você tudo isso que foi escrito, aguardando os seus esclarecimentos e críticas. Gostei da leitura da carta, no programa de ontem, do professor Benedito Lima. Lembrou a figura do meu velho amigo Arimathéa Tito, de saudosa memória. Devido aos meus achaques de velho não tenho descido à cidade. Apareça para um cafezinho. Continuo morando na mesma casa da rua Tiradentes. Um abraço fraterno do colega e admirador”. a) Professor Florêncio da Cunha Castelo Branco.

OBSERVAÇÃO. Inicialmente, grato pelo incentivo que me oferece o missivista. Passo ao assunto. O decreto 1.062 de 1970, admitiu três modalidades de enquadramento, praticamente reduzidas a duas, definindo-as nos parágrafos 1º e 2º do artigo 6º. A primeira é o enquadramento direto, simples, caracterizado pelo ajustamento de cargos e funções aos grupos e níveis correspondentes, com o respectivo ocupante, consideradas a investidura e a continuidade do exercício. O enquadramento genérico e o específico afinam por outro caminho. São novos tipos de ajustamento. Não individualizam. Antes, especificam critérios e generalizam. Aqui serão indicados os grupos e níveis correspondentes para ajustamento dos ocupantes dos cargos e funções, com obediência aos critérios da experiência, da complexidade de tarefas, da aptidão, dos deveres e das responsabilidades do funcionário. Considero que o objetivo mais alto da lei, no parágrafo 2º, do artigo 5º, foi o de assegurar à administração maior rendimento e premiar o servidor que desempenhe tarefas com os critérios exigidos para o respectivo ajustamento. Não se trata de readaptação, pois esta se aplica ao servidor desviado de suas funções. Trata-se de ajustamento, para que se aproveite a experiência, a competência, a aptidão do servidor. E note-se que a norma é imperativa. Diz o decreto: serão ajustados. Caso notório do futuro do presente em lugar do imperativo verbal, como nos mandamentos divinos: não matarás. O caso concreto foi êste: três servidores do IAPEP invocaram o decreto citado, juntaram documentação de sua vida funcional, e pleitearam enquadramento como Fiscal da Previdência. Os processos vieram a mim, para parecer. Entenda-se: para parecer nada decide. Examinei a questão nos seus aspectos jurídicos e concluí: se essas servidoras desempenharam ou desempenham funções e nestas revelaram experiência, aptidão, responsabilidade, e se essas funções têm correlação com as funções de Fiscal de Previdência, então estavam as três amparadas pelo artigo 6º (parágrafo 2º) do decreto citado. Caso não se verifique a correlação, falecia-lhes o amparo da lei. Acrescentei que a correlação deveria ser objeto de estudo da Comissão de Enquadramento. Essas funcionárias juntaram ao processo documentos do exercício de várias funções. A Comissão decida se essas funções lhes conferem os critérios exigidos para o ajustamento pleiteado. Eis aí o meu fraco entendimento. Outros entenderão melhor do que eu na rabulice exposta neste caderno. PASSO Às respostas pedidas pelo missivista: 1) penso que o IAPEP precisa de mais fiscais. Atualmente, em exercício, só existe um. Não enxergo incorreção na atitude do ilustre presidente do IAPEP em pedir a criação de mais um cargo de fiscal. 2) A Comissão deve examinar o caso com tôda a lisura, e os seus membros são capazes dessa lisura. Se as funcionárias, por através da documentação apresentada, estão aptas para o exercício da função de fiscal, têm direito ao respectivo enquadramento. Caso contrário, evidenciar-se-á favoritismo. 3) Não creio que o governador Alberto Silva chancele incorreções. 4) Quanto ao jornal "O Liberal", nada posso dizer. Êsse jornal possui direção - e à direção cabem as responsabilidades das ações e omissões. Digo mais: tal órgão de imprensa muito me hostilizou, injustamente. Padeci com humildade as suas ofensas gratuitas, sem que me deslembrasse da grandeza de Deus. 5) Caso as três funcionárias não tenham direito ao que pleiteiam, o govêrno, certamente, promoverá concurso para preenchimento dos lugares vagos de Fiscal da Previdência. 6) Se as três funcionárias não preencheram os requisitos para o enquadramento pleiteado, se se fizer o enquadramento ao arrepio dos critérios legais estabelecidos, cabe ação popular, regulamentada pela Lei Federal 4717, de 29-6-65. Ação promovida por quem seja cidadão, isto é, eleitor, ação que se fundamente essencialmente no direito político do cidadão. Ação para invalidar ato legítimo e lesivo ao patrimônio público, danoso aos bens ou interêsses da coletividade. A lesividade abrange o patrimônio material, histórico, espiritual, estético, moral.



TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 2, 15 dez. 1971.

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