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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (188)

EXISTEM conceitos muitos a respeito de literatura. Estou, porém, com Sachet: "Daí ser evidente que só houve Literatura Brasileira quando ela pôde localizar-se dentro de um espaço brasileiro. Num determinado tempo historicamente brasileiro. É produto do espírito de um homem brasileiro”.

De conformidade com êsse critério, deve fazer-se referência a uma literatura piauiense? Uma literatura do homem piauiense? Num espaço geograficamente piauiense? Num tempo historicamente piauiense?

Quando falo de homem piauiense não faço referência ao nascido aqui. Refiro-me ao que se integrou na paisagem física humana, social, espiritual do Piauí. Higino Cunha, nascido no Maranhão, é piauiense, da mesma forma que Celso Barros Coelho. Veja-se: Ovídio Saraiva Carvalho e Silva, nascido no Piauí, é bem português, de personalidade portuguêsa, de produção literária portuguêsa.

Não se nega a existência do espaço piauiense, com certas características próprias. Existe igualmente o tempo historicamente catarinense? O Piauí participou do tempo histórico em literatura? Creio que não, embora se possam excetuar alguns casos dessa participação. A partir da próxima terça-feira, examinarei estas questões, justamente no instante em que o governo tenciona reeditar obras literárias piauienses. Os encarregados do trabalho terão aqui roteiro humilde, modesto, escrito, porém, com a vontade de acertar, de ser útil.

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Enquanto se organiza o Natal dos Pobres, natal da pobreza, reconhecendo-se a diferenciação da comunidade em ricos e pobres, leio nota da imprensa: "É bom salientar que esta reformar da Assembléia prevê, entre outras coisas, uma central de ar condicionado para a Casa, bem como um plenário de vidro". Piauí das mil e uma noites. Mais fabuloso do que o xá da Pérsia. Em São Paulo, a Revolução abriu inquérito (govêrno Castelo Branco) para conhecer os gastos com a reforma física da Assembléia. Apareceu cousa cabeluda em excesso. Mal cheirosa. Mobiliário de milhões. Alguns deputados cassados. Não creio que Sebastião Leal e Murilo Resende pretendiam fazer do prédio da Assembléia palácio de luxúria. Bom que se lembrem: aquilo tem denominação de Casa do Povo - e em razão disto se distinguirá pela sobriedade, pela simplicidade. De luxo será a consciência cívica dos representantes do povo.

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Para o meu parente Murilo Resende (acho que tivemos avós irmãs) ler onde estiver:

"Um estádio recém-concluído, com capacidade para vinte mil pessoas, está em leilão em São José dos Campos, São Paulo. Avaliado judicialmente em Cr$ 4.558.937, vale quase oito milhões. Motivo da fofoca: a diretoria do Esporte Clube São José, que construiu o Estádio Martins Pereira, mais conhecido por FORMIGÃO está devendo dois milhões vinte e três mil duzentos e setenta e dois cruzeiros e setenta e seis centavos a bancos, fornecedores e à firma construtora, e não tem condições de saldar essa dívida. A luz do estádio já foi cortada por falta de pagamento" (Revista O CRUZEIRO - 17 de novembro de 1971 - página 34).

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A reportagem publica o retrato do presidente da construtora do FORMIGÃO, com esta legenda: "casa penhorada". Copio da página referida: "Tudo deveria correr bem, mas falharam as precisões: a população não correspondeu à expectativa na hora de comprar os títulos. Inaugurado a 15 de março de 1971, o estádio, já no dia de sua inauguração, teve um prejuízo de cem mil cruzeiros. Do quadrangular que reuniu, no FORMIGÃO, o Corinthians, o Palmeiras, o Atlético e o Internacional, o clube ainda deve vinte e cinco mil cruzeiros ao Corinthians".

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Mais um trecho para ajudar a ilustrada inteligência do bom Murilo: “Depois de ter participado de várias campanhas como a do CHAPÉU DE PALHA, em que os diretores do clube iam, de casa em casa, tentando vender um título, o atual presidente, Argemiro Parizoto de Sousa, sem se desesperar, procura outras saídas. Falou-se em que as rádios iam irradiar apelos de Rivelino, Pelé, Gerson, Leivinha e outros jogadores para que o povo colaborasse com o clube, mas tudo ficou por isso mesmo. Contas bancárias, entretanto, vão ser abertas para a campanha ABRA O SEU CORAÇÃO E AJUDE O FORMIGÃO".

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Finalmente, sustenta a revista: "A Portuguêsa prontificou-se também a colaborar mas o jôgo realizado contra o time da casa rendeu apenas dezoito milhões. O Corinthians também vai jogar mas não há esperança de que a renda seja muito maior. O drama portanto continua, esperando-se que êle termine antes do próprio FORMIGÃO".

Na cidade paulista, como se leu, houve a campanha do "Chapéu de Palha" para salvar o FORMIGÃO. Aqui será a do "Chapéu de Couro" para salvar o Albertão. Aqui o SLOGAN poderá ser repetido: "Abra o seu coração e ajude o Albertão".

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NA DIREÇÃO da Caixa Econômica do Piauí encontra-se o dr. João Paulo Mendes Fernandes Neto. Outro dia ouvi entrevista que êsse alto funcionário concedeu a José Lopes dos Santos, uma espécie de parada entrevista. Gostei da fala de João Paulo. Disse ao que vinha. Resolveu intenções e objetivos de desenvolver operações e de cooperar com a coletividade. Expressou-se o entrevistado com elegância, linguagem correta. Deixou-me impressão de ser homem de inteligência cultivada, educado. Pois bem. Antes da chegada de João Paulo ao Piauí, a Caixa Econômica trombeteou a inauguração de empréstimo, como nos bancos, pagamento em prestações mensais. Afluência de freguesia. Muita gente queria empréstimo. O cliente recebia dois formulários, preenchia-os. Tocava depois em busca de avalista. Mais dois formulários para preenchimento pelo avalista. Trabalheira. Exigência de certidões nas quais as repartições testemunhavam a renda mensal do pretendente. Abonação de firmas nos bancos do freguês e do avalista. E mais; depósito de, no mínimo, trinta cruzeiros, pelo pretendente, na Caixa. Pasmem, agora! Depois de tudo isto, o pretendente recebia o aviso: "Voltem no dia tal". Dia tal, o pretendente voltava aos gabinetes da sumidade da humilhação, e ouvia: "Não é possível, porque são ruins as informações sôbre a sua pessoa". Terra admirável este pobre Piauí, em que quase todos se estimam, excetuados alguns que se encantam e se enriquecem de atitudes para a humilhação dos semelhantes. Sabem os leitores a razão pela qual o sadismo negava o empréstimo ao humilhado pretendente? Porque o pretendente havia atrasado o pagamento de contas. Quem não se atrasa na liquidação de dívidas? Estão aí não sei quantos bancos, quantos estabelecimentos comerciais que não me deixam mentir. E por que a Caixa não efetuava sindicância antes de impor tanto trabalho ao pretendente? Antes de exigir depósito? É grande, grandíssima, a diferença entre caloteiro e o que atrasa pagamento de uma dívida, numa terra de funcionários públicos. O principal atrasador de pagamento em Teresina é o govêrno, desde que me entendo como servidor público. Muitas pessoas foram humilhadas pelos raríssimos funcionários desumanos da Caixa Econômica do Piauí. Rabiscadores de informações humilhativas. Servidores (raros) sem alma, cuja felicidade está em maltratações da personalidade dos semelhantes. Creio que João Paulo Mendes Fernandes Neto revogará tais processos - processos que colocam mal a Caixa Econômica no conceito da coletividade, porque os humilhados passarão a querer mal a essa instituição e contagiarão outros para a malquerença.   



In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 2, 19-20 dez. 1971.

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