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sábado, 6 de setembro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (180)

COPIO da revista "Geografia Ilustrada", recentemente editada: "O Piauí representa sintomas típicos de região subdesenvolvida, seja qual for o diagnóstico empregado. Grande participação do setor primário na composição da renda interna, pouca industrialização, grande concentração populacional na zona rural, baixo consumo de energia elétrica. Em 1969, quando a renda per capita do Brasil era estimada em mais de trezentos e cinquenta dólares, a do Piauí não chegava a sessenta. Considerando apenas o Nordeste, ainda assim ela é duas vezes menor do que a de Sergipe, por exemplo. Mais expressivo do que qualquer indicador econômico, entretanto, é o próprio nível de vida do povo". E acrescenta a revista: "Na zona rural a alimentação geralmente se compõe de café matinal, acompanhado de um pedaço de pão e beiju de tapioca. A segunda refeição costuma ser à base de carne-sêca, feijão, farinha de mandioca e milho. Esta dieta, de baixo teor de proteínas, não basta para o duro trabalho no pastoreiro ou na lavoura. O resultado é a subnutrição, tornando o organismo vulnerável a quaisquer doenças. O nível educacional acompanha o que ocorre na maioria dos Estados nordestinos, com o analfabetismo secundado por altas taxas de evasão escolar. O problema é agravado no campo, onde o calendário escolar coincide quase sempre com o período das colheitas". OBSERVAÇÃO. Eis aí o quadro que não me canso de mostrar e demonstrar. Enquanto isto se passa, vive-se nesta terra de festas e da construção de obras suntuárias. Teresina é a cidade dos clubes e das tertúlias e dos natais dos pobres. Há mais clubes em Teresina do que sapo na fonte luminosa da praça de São Benedito.

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O PRESIDENTE Acióli, da Cepisa, deve, com urgência, liquidar abuso que se vem praticando. Abuso, só, não. Extorsão. Pois a Cepisa está cobrando TAXA DE RELIGAÇÃO sem desligar a luz da casa do depenado contribuinte. Cobra-se a taxa por serviço público que se presta. Se a luz NÃO FOI RELIGADA, como é possível a cobrança do tributo de religação?

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CARTA de José Marques de Oliveira, de 6.12.71: "Caro mestre. Solicito seu comentário a respeito das alterações introduzidas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguêsa de 1943, pelo acôrdo assinado em 22.4.71 pela Academia Brasileira de Letras e pela Academia das Ciências de Lisboa, cuja matéria se encontra na capa do primeiro volume do Pequeno Dicionário da Língua Portuguêsa Ilustrado, publicado em fascículos pela Abril Cultural". OBSERVAÇÃO. Muito admiro a José Marques de Oliveira, pelo interêsse que êle devota a assuntos de cultura e de educação. Ainda não li o acôrdo. Não sei se o govêrno o aprovou. A revista "Manchete" escreveu que está sendo redigida de conformidade com as alterações aprovadas. Lendo a revista e observando as normas de redação, verifiquei que o acôrdo determina supressão de acentos gráficos em três casos: o chamado acento diferencial (EMPRÊGO, substantivo, e EMPREGO, verbo). Como se sabe, o acôrdo de 1943 rezou que êsse acento diferenciava a pronúncia aberta e fechada das palavras de escrita idêntica (homográficas). Outro caso: abolição do acento grave e circunflexo dos advérbios terminados em MENTE. Pela reza de 1943, êsses advérbios têm acento grave quando derivados de adjetivos com acento agudo: pálido - pàlidamente. E têm acento circunflexo quando derivados de adjetivos com acento circunflexo: cômoda - cômodamente. Terceiro caso: o nôvo acôrdo manda suprimir o acento grave e o circunflexo dos derivados em que aparece a letra Z como consoante de ligação. às vezes o sufixo se liga ao primitivo por consoante de ligação. Se o primeiro possui acento agudo ou circunflexo na última sílaba, há necessidade de ligar o sufixo por consoante: de CAFÉ, por exemplo, se faz CAFETEIRA. O sufixo é EIRA. Mas a consoante de ligação não foi o z. Então, no derivado desaparece o acento da palavra primitiva. Veja-se cafèzal. Sufixo, AL, ligado pelo z. Aí, no derivado, o acento agudo de CAFÉ passa a grave no derivado. Observe-se avôzinho. Sufixo INHO ligado por z. No derivado conserva-se o circunflexo de AVÔ. E mais: o nôvo acôrdo manda abolir o trema, em qualquer caso. Gostei das alterações. Muito simplificam a escritura. De parabéns os jovens escolares, que sempre tropeçavam na utilização dêsses sinais. Ainda não estou prestando obediência a tais normas porque desconheço a sua oficialização.

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Asseguram-me que alguns altos auxiliares do governador Alberto Silva residem em casas cujos aluguéis são pagos pelos cofres públicos. Aluguel de dois mil contos mensais (dois mil cruzeiros). Verdadeira INDÚSTRIA esta de aluguel de prédios residenciais à administração. Há proprietários que deixam as suas residências próprias e passam a alugar casa alheia, na base de trezentos ou quatrocentos mensais, enquanto pela sua o govêrno paga de mil e quinhentos a dois mil. Negócio rendoso. Se verdadeira a informação que me deram, acredito que o critério do governador Alberto Silva golpeará tal INDÚSTRIA.

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Ouvinte de programa de rádio que realizo pergunta-me se o inspirado e talentoso poeta Carlos de Oliveira Neto (piauiense) é parente de Rui Barbosa (Rui Caetano Barbosa de Oliveira). Acho que sim. Neste país todos são parentes. Mistura dos safados colonizadores portuguêses, de índio e de negro. Manuel Bandeira teve essa visão "tanto em face do passado que se evoca quanto em relação ao presente que se admira". Leiam pedaços do poema NÃO SEI DANÇAR:

"Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
Eis aí porque vim assistir a êste baile de
                                     Terça-feira gorda

Mistura muito excelente de chás...
Esta foi açafada...
Não, foi arrumadeira.
E está dançando com o ex-prefeito municipal.
Tão Brasil!
De fato êste salão de sangues misturados parece o Brasil".

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Uma velha cantiga brasileira diz também que TODOS NÓS SOMOS FIDALGOS DUMA BANDA SÓ. Deu-se o negócio com um sujeito chamado Nogueira. Salafrário. Criminoso. Ladrão. Pai fidalgo e mão mulata. Amaro Joaquim, governador da Paraíba, desejava condená-lo à morte. Mas o pai de Nogueira era fidalgo. A mãe, porém, mulata. Resolveu o governador que o patife recebesse chicotadas no pelourinho, como escravo. E mandou açoitá-lo só pela metade, pela metade de mulataria materna. Estória contada por Koster. Referindo-se à decisão do governador Amaro Joaquim, escreveu o saudoso Gustavo Barroso: "Os inúmeros réus de nossa República bem andam precisados dum Amaro Joaquim em miniatura. Acabaram-se os privilégios da nobreza, e do sangue dela não resta mais uma gota nas veias dessa gente que anda por aí... Dos altos sentimentos da velha fidalgaria também nada mais resta... E os fidalgotes do nosso regime hoje em dia não têm mais valor algum que os salve. Grande falta faz um Amaro Joaquim que enèrgicamente os desembuce, arrancando-lhes os capuzes negros da hipocrisia com que come tem as maiores vilanias, que os leve ao pelourinho infamante da praça pública e, pela mão soez e possante do algoz, os faça açoitar, não dum lado só, como ao bastardo réprobo dos Nogueiras, porém dos dois lados, que ambos nessas figuras de juripedantes simulados, de advogados administrativos ladravazes, de negocistas e de tartufos, são absolutamente indignos de qualquer consideração e ignóbeis por natureza".    




In: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 2, 12-13 dez. 1971.   

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