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sábado, 22 de novembro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (194)

MANDAMENTO de Karla: "Dê-me alguns esclarecimentos sôbre LEITURA ORIENTADA". Resposta. A leitura compreende três modalidades: EXPRESSIVA, para que se valorizem as palavras, para que se fale com [apagado no original] preza; EX EXTENSÃO, para a fixação daquilo que se leu; EM PROFUNDIDADE, para exploração da matéria que foi lida. Depois disto, há necessidade de assimilar a matéria. Finalmente, organizá-las no espírito. A LEITURA ORGANIZADA indica que ela está sempre pronta para ser mobilizada, quando necessário.

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RÊ-LI "Memórias", de Higino Cunha. As lutas do jovem (chegou a ser caixeiro), o estudante da Faculdade do Recife, a influência que nêle exerceu Tobias Barreto. Em seguida, o jornalista político, inclemente, o homem da política partidária. Finalmente, as ideias filosóficas de Higino. Escrevia o Mestre com simplicidade e firmeza, sem nenhum artificialismo.

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O acreditado jornal "O Estado", de Teresina, publica uma página de realizações da Secretaria de Obras Públicas. Uma delas é esta: "Grupo Escolar de vinte salas de aula, na avenida Campos Sales, em Teresina". OBSERVAÇÃO. Meu parente Murilo Resende (parece que eram irmãs duas das nossas avós, ou bisavós) foi mal informado. Os dinheiros dêsse grupo pertencem ao Plano Nacional de Educação de 1969, quando era Secretário de Educação o professor Balduíno Barbosa de Deus. Ano passado, administração Clímaco de Almeida, consegui que o ex-governador adquirisse terreno, comprado do dr. João Martins Morais. Foi aberta concorrência para a construção do grupo. E ainda iniciada a construção. Todos os dinheiros para pagamento da construção eu os deixei no Banco do Piauí. O grupo foi construído com dinheiro federal (excetuado o terreno). A verdade acima de tudo. O céu a seu dono.

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LEIO informação da Secretaria de Educação: o govêrno vai reeditar cinquenta importantes obras de escritores piauienses. Que obras? Outro dia topei com a notícia de duas delas: A GUERRA DO FIDIÉ e VÁRIA FORTUNA DE UM SOLDADO PORTUGUÊS. Ambas - dizia o jornal "O Glôbo" - indicadas pelo govêrno do Piauí ao Instituto Nacional de Livro, para republicação, como de autoria de Abdias Neves. Acontece que Abdias só escreveu a primeira. A outra não é propriamente obra literária. É a reunião de petições do brigadeiro Fidié à coroa portuguesa - petições que nenhum interêsse despertam. O governador Alberto Silva deve ter muito cuidado na reedição dessas cinquenta obras. Quais são elas? Identificam UMA LITERATURA PIAUIENSE? Uma literatura DO HOMEM PIAUIENSE? Num TEMPO HISTORICAMENTE PIAUIENSE? Antes do romantismo o Piauí quase nada oferece às letras. A própria escola romântica, aqui, se limitou a fixar costumes sertanejos, a desenhar quadros da natureza, a cantar queixumes e desesperanças. Ninguém registrou graves e notáveis episódios históricos na concepção artística. Desconhece-se uma produção extraída das lutas da Independência. Romances e poesias esqueceram as lutas da colonização, no século XVII. Que ficou do ROMANTISMO da literatura piauiense? Na poesia, a obra de Coriolano de Sousa Lima, descritiva por excelência (costumes, gado, campos); de Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco (quadros da natureza), de Luísa Amélia de Queirós Brandão, lírica exagerada, de Licurgo José Henrique de Paiva, fantasioso, de Raimundo de Arêa Leão, dolente, de muito pieguismo. Na prosa, sobressaem José Martinho Lustosa do Amaral, com um romance histórico, Francisco Gil Castelo Branco, contista. Não fiz referência a cientistas, oradores de parlamento, jornalistas políticos, polemistas, memorialistas, uma vez que não escreveram literatura. Estudaram assuntos da sua especialidade, ou debateram problemas políticos e jurídicos nos jornais e nas tribunas das assembléias.

Assevera João Pinheiro que "as modernas correntes precursoras do naturalismo e do parnasianismo, de que foi Tobias Barreto um dos principais fatores no país, não tiveram quase nenhuma repercussão no pequeno meio intelectual piauiense, ainda mais reduzido pela morte ou absoluto retraimento de vários de seus representantes, renomados DILETANTES absorvidos pelo partidarismo intransigente ou interêsse outros de oradores puramente individuais".

João Pinheiro fala, porém, que ESSAS CORRENTES PRECURSORAS do naturalismo e do parnasianismo determinaram uma fase de verdadeira floração subseqüente.

É preciso convir em que Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e Anísio de Abreu foram notáveis e cultos propagandistas das idéias de Tobias Barreto e Silvio Romero (Escola do Recife). Expoentes do estudo e inteligências extraordinárias. Exerceram profunda influência no meio cultural piauiense. Anísio deixou poesias de grande valor, filosóficas, apaixonadas de liberdade, de civismo, de conteúdo realista (parnasiano).

Mostrei a pobreza do movimento romântico do Piauí. Se no Brasil o romantismo, na caracterização de [Paul?] Hazard, endossada por Afrânio Coutinho, o romantismo foi fôrça religiosa, social e nacional, então no Piauí praticamente inexistiu LITERATURA ROMÂNTICA.

O realismo (a verdade, técnica da documentação e da observação, vida contemporânea, emoções e temperamentos) e o naturalismo (fisiologia do homem, sua origem egoística sem parentesco com os animais) quase não aparecem na literatura piauienses? Causas? Neste resumo jornalístico não há espaço para determiná-la. Mas apareceu a literatura regional [apagado no original]

Esta o regionalismo piauiense representado por Hermínio Castelo Branco (LIRA SERTANEJA), Leônidas Benício Mariz e Sá, Clodoaldo Freitas, Abdias Neves, Amélia Beviláqua, João Pinheiro.

O parnasianismo e o simbolismo enriqueceram-se de muitos nomes (incluo aqui o impressionismo0. O parnasianismo do ideal de objetividade, do positivismo filosófico, descritivo, mais técnico, menos inspirado. O simbolismo - espiritual, subconsciente, fugidor da realidade, fantasioso, colorido. O impressionismo das emoções e sentimentos despertados pelos sentidos. Alinham-se aqui: Joaquim Ribeiro Gonçalves, Taumaturgo Vaz, Fócion Caldas, Fenelon Castelo Branco, Félix Pacheco, Antônio Neves de Melo, Baurélio Mangabeira, Jônatas Batista, Tito Batista, Alcides Freitas, Nogueira Tapeti, Lucidio Freitas, João Cabral, Pedro Borges, Cristino Castelo Branco, Edison Cunha, Antônio Chaves, Arimathéa Tito, Cromwell Carvalho, Celso Pinheiro, Da Costa e Silva, Pedro Brito, Martins Vieira, Bugyja Britto, Alarico da Cunha, Moura Rêgo, Monsenhor Sampaio, Isabel Vilhena, Vicente Araújo, João Ferry, Mário Batista, Mário Bento, Antônio Justa, Veras de Holanda, Almir Fonseca, Luís Lopes Sobrinho, Hardi Filho, Vidal de Freitas, Alvina Gameiro, Felício Pinto, Fabrício Areia Leão, Oliveira Neto, Otávio Melo, Judith Santana.

Não incluo na parte rigorosamente literária nomes consagrados na crítica, na história, no direito, na sociologia, na matemática, na medicina, na oratória como os de João Cabral, Pedro Borges, João Alfredo, Costa Alvarenga, Cromwell Carvalho, Celso Pinheiro Filho, Simplício Mendes, Esmaragdo Freitas, João Pinheiro, Cristino Castelo Branco, Arimathéa Tito, Elias Martins, Clodoaldo Freitas, Matias Olímpio, Anísio Brito, Elias de Oliveira, Hermínio Conde, Otávio de Freitas, Carlos Pôrto, Monsenhor Chaves, Odilon Nunes, Cunha e Silva, Rodrigues dos Santos, Castro Aguiar, Dom Avelar, Deolindo Couto, Davi Caldas, Fernando Lopes, Petrarca Sá, Breno Pinheiro, Sousa Neta, Coelho Rodrigues, Gonçalo Cavalcante, Clemente Fortes, Clidenor Santos, Adelmar Rocha, Pires Rebêlo, Odilo Costa, Paranaguá, José de Abreu, Antônio José de Sampaio, Luis Mendes Ribeiro Gonçalves, Gayoso e Almendra, Luís Correia, Jônatas de Morais Correia, Robert Carvalho, Benjamim Batista, Álvaro Ferreira, Armando Madeira, Taumaturgo Azevedo, Antonio Freire, Miguel Rosa, Raimundo Santana, Wilson Brandão, Alves Noronha, Darci Araújo, Heitor Castelo Branco, Paulo Nunes, Celso Barros Coelho, João Coelho Marques, Edgard Nogueira, Vitalino Alencar, Gerardo Vasconcelos, Cecília Mendes, Moisés Castelo Branco Filho, Petrônio Portela, Felismino Weser - nomes consagrados nas suas respectivas especialidades culturais - não os incluo neste capítulo das letras históricas, jurídicas, sociológicas, históricas, médicas, científicas, enfim, porque estou tratando exclusivamente da OBRA LITERÁRIA propriamente dita, embora reconheça as superiores qualidades de execução, de forma, de estilo dessas produções do engenho humano.                  

Também não trato aqui nestas considerações, escritas ao correr da pena, do JORNALISMO, obra de arte, em que militam expressões de merecida projeção intelectual.

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Os movimentos renovadores resultantes da Primeira Grande Guerra - as experiências, as ligações dessa carnificina humana - não chegaram ao Piauí. Izara, Bréton, Marinetti, Apollinaire, Aragon nenhuma influência literária puderam exercer no Piauí. Também desconheço influência da corrente de Joyce, Virginia Woolf, Eliot, Kafka, na época em que o expressionismo se manifestou pelo subjetivismo total.

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O modernismo foi compreendido por uma das maiores figuras da LITERATURA PIAUIENSE em todos os tempos: Martins Napoleão. Talento renovador. Consciência criadora. E por José Newton de Freitas, falecido muito jovem, deitando poesia de sentido social e humano. Hoje as correntes do modernismo se representam na literatura piauiense (poesia) por Clóvis Moura, Renato Castelo Branco, Romão da Silva, Mário Faustino, Altevir Alencar, Conceição Castelo Branco, Miguel de Moura, Cristina Leite, Nerina Castelo Branco, Herculano Morais, H. Dobal, Gregório de Moraes, Pompílio Santos, Adail Maia, Domingos Fonseca, Hermes Vieira, Vidal Ferreira, e outros - poetas de várias tendências, cada qual com a sua (universalista, espiritualista, nacionalizante, inconformista, socializante, formalista).

Na ficção, projetam-se Sousa Neto, Renato Castelo Branco, Assis Brasil, Odilo Filho, O. G. Rêgo de Carvalho, Palha Dias, J. Miguel de Matos, Magalhães da Costa, as duas Lilis, cada qual com sua ficção típica - ficção documental, regional ou social.

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O governador bem poderia adotar estas sugestões: 1) reeditar poucas obras, pouquíssimas - justamente as que podem, no momento, despertar interesse, como "A Lira Sertaneja", "Frei Serafim de Catânia" e uma ou outra mais; 2) organizar antologias, incluindo ficcionistas, poetas, historiadores, oradores, jornalistas, juristas - das fases literárias: modernismo (uma antologia) e fases anteriores ao modernismo (outra antologia); 3ª publicar obras inéditas de intelectuais piauienses.

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Observação. Deixei de citar Berilo Neves. Notável cronista, crítico de superior qualidade da vida social. A sua obra, porém, é carioca. E citaria neste final cronista do melhor naipe: Hélio Passos.

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As omissões foram absolutamente involuntárias. 



TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 2, 04 jan. 1972.

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