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sábado, 8 de novembro de 2014

CADERNO DE ANOTAÇÕES (193)

DE LEITORA inteligente, que assina Lídica, com data de 13-12-1971: "Professor Tito Filho. Desde muito jovem que rabisco versos e, como jamais consegui chegar a uma conclusão a respeito dos que escrevi, envio-lhe êste poema, um dos mais recentes, pedindo ao distinto mestre que tenha o trabalho de passar-lhe uma vista e, se possível, dar-me uma preciosa e sábia opinião, que, por sua vez, me servirá de estímulo para que eu continue a fazer meus humildes versos, ou valerá por DESISTA, se nada houver nêles de promissor. Essa resposta (se é que o senhor acha que valerá o esfôrço de me fazer uma crítica, seja ela qual fôr) poderá ser dada através da sua coluna no JORNAL DO PIAUÍ - CADERNO DE ANOTAÇÕES -, que leio sempre e através do qual podemos admirar a sua inteligência, uma das mais brilhantes do nosso Estado".

Transcrevo a poesia:

POEMA 32

Que êsse amor, conquistado a longas penas
Não passe por tua vida como falenas,
Naquele seu vôo gentil, mas tão ligeiro,
Não seja assim êsse teu amor primeiro.

Bem sei quantos prantos por êle choraste,
Sei bem dos dias incertos que atravessaste,
Trazendo tuas mãos sempre cheias de espera,
Bem sei. (E se muito antes êle te quisera

Muito antes que hoje serias feliz,
Teu coração teria quem sempre quis).

Foram duas tristes aquêles, quando
O teu amado era inatingível sonho,
E tu, sombra triste, calada, tentando
Que êle lesse no teu rosto tristonho

O amor que sempre fôra tão dêle. E agora
Que o tens para ti sómente, é a sonhada hora
Que sejas só dele, que a entrega de dois
E mais sublime que a de um só, amigo. Pois

Que êsse amor, conquistado a longas penas,
Não passe por tua vida como falenas,
Naquele seu vôo gentil,mas tão ligeiro,
Não seja assim êsse teu amor primeiro.

X   X   X

OBSERVAÇÃO. A autora tem inspiração. Cultiva a poesia sentimental, intimista. É romântica. Amorosa. Pode produzir boas poesias, contanto que abdique do sentimentalismo. Deve ler muito o poema moderno para adquirir consciência de modernidade da poesia, para tomar posição diante da realidade, não para fotografias do real, mas para interpretação da realidade. A poesia hoje já não recolhe histórias de amor, suspiros de amantes. Não se pretende destruir emoções. Nunca. nada, porém, de sentimentalismo. A gente quer ritmo, notícia, presentificação da realidade. Carlos Drummond de Andrade sentenciou:

"Não faças poesia com o corpo,
êsse excelente, completo e confortável corpo, tão
infenso à efusão lírica.
Tua gôta de bile, tua careta de gôzo ou de dor no
escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equivoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia".

X   X   X

Poesia é sentimento-interpretação do mundo. Consciência da realidade social. Revolta. Mensagem. Morte do individualismo. Leia-se Carlos Drummond de Andrade, mais uma vez:

"Não, o tempo não chegou de completa justiça
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salva
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Façam completo silêncio, paralisem os negócios.
garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio,
nojo e o ódio".

X   X   X

Distinta Dirce, você tem queda para a poesia. Só lhe falta uma cousa: viver o seu tempo na poesia. Fazer a poesia-modernidade. Experimente. Leia Drummond, Bandeira, Cassiano Ricardo, João Cabral de Melo Neto e outros. Continue. Trabalhe o poema sem sentimentalismo. E você realizará a verdadeira poesia.

X   X   X

O jornal "O Dia" publicou, recentemente, reportagem a respeito do celebérrimo Projeto Piauí, que vai fazer "o diagnóstico do universo social a ser desenvolvido". Qualquer sociologiazinha de dois cruzados fala destas cousas. Nessa reportagem, o professor João Ribeiro, coordenador do Projeto, deitou uns pedaços de falação, e disse que os rapazes do Projeto estão promovendo "treinamento para os grupos da elite local, reunindo pessoas responsáveis pelo SERSE e espôsas de vários "secretários". Eu, de mim, desacredito em que o professor Ribeiro haja feito tal afirmativa. Certamente o repórter colheu mal as observações professorais. João Ribeiro deve ter lido Mosca, Pareto, Weber, Lukacs, Schumpeter, Toynbee, Bottomore. Sobretudo êste último, tão claro, tão conciso. Três elites há na sociedade dêste atribulado século XX - elites que são agentes vitais na criação de novas formas de sociedade: os intelectuais (críticos da sociedade, notáveis na transformação dos países subdesenvolvidos), os gerentes de indústria (elite funcional na sociedade industrial, responsáveis por importantes decisões econômicas) e os burocratas (altos funcionários governamentais, elite poderosa). O professor João Ribeiro - penso eu - jamais declararia que pessoas responsáveis pelo SERSE e espôsas de Secretários devem ser treinados como grupos de elite local. Elite não é alta-roda, sociologicamente considerada. Diante da tese apresentada, pertence às elites locais dona Florisa Silva, alta servidora do govêrno. X   X   X NOUTRO ponto da reportagem de "O Dia" há a afirmação de que o governador Alberto Silva e o professor João Ribeiro vão a Israel e lá estreitarão os laços de cooperação entre os dois países (Brasil e Israel). Eu afirmo que a política exterior do Brasil é de responsabilidade do Presidente da República. X   X   X ESTÁDIO para sessenta mil pessoas, na Tabuleta. Terreno de quinhentos mil contos, adquirido de um deputado federal. Só o projeto da monstruosidade custou seiscentos e quarenta mil contos. Teresina tem uns duzentos e trinta mil habitantes, incluindo população rural, mendigos, anciãos, aleijados, cegos, criancinhas e gente que não suporta futebol. E gente que suporta não tem dinheiro. O exemplo aí está: o esquadrão famoso de Belo Horizonte - Cruzeiro - com Tostão, o segundo jogador brasileiro em popularidade, - êsse time não conseguiu lotar o estádio Lindolfo Monteiro. Sobraram cadeiras na pista, sobraram cadeiras da áera coberta, havia lugar ainda para umas cinco mil pessoas. Com tôda a fama do clube mineiro, doze mil pessoas, mais ou menos, estiveram no estádio. Perguntei ao empresário Sizoca se contrataria novamente o esquadrão de Belo Horizonte por vinte mil cruzeiros para um segundo jôgo. Respondeu-me que não. Mas Murilo Resende esclareceu: em mil novecentos e oitenta Teresina terá quinhentos mil habitantes. Murilo está como esteve Armstrong: no mundo da lua. Noutro artigo comentarei o pensamento de meu parente (parece que nossas avós eram irmães). Murilo Resende. E escrevo esta observação final: no dia do jogo Cruzeiro e River, Alberto Silva foi ao estádio. Recebido friamente. O povo sabe que o Albertão é uma afronta a uma comunidade pobre, entupida de problemas até ao gogó.



IN: TITO FILHO, A. Caderno de anotações. Jornal do Piauí, Teresina, p. 7, 22 dez. 1971.

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