Quer ler este post em PDF?

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

CADERNO DE ANOTAÇÕES (15)

CARTA - Do escritor J. Miguel de Matos recebo a seguinte, com data de 30-5-70:

"Na iminência de sua posse na Secretaria de Educação e Cultura do Piauí, para onde vai por convocação sábia e oportuna do Governador João Clímaco D'Almeida. Devo trazer-lhe, como escritor modesto, algumas palavras que poderão ressoar, pela lógica com que estão dosadas, muito profundamente dentro de seu espírito.

Em Fortaleza, Capital do vizinho Estado do Ceará, quando ali estive para os passos iniciais da publicação de Pisando os Meus Caminhos, concedi entrevista ao jornal Unitário, tendo insistido, no decorrer dela, que a secretaria de Educação e Cultura do Piauí funcionava, apenas, de uma banda: Educação, por ter à sua frente um homem que possuia, apenas, a formação de Educador.

Agora, com a sua presença naquela Secretaria, o problema cultural de nossa terra, com o leme nas mãos do timoneiro certo, poderá receber nôvo e poderoso alento, valendo lembrar que sua nomeação para aquela Pasta, encontrando 'de súbito, o diamante do seu talento a cravação que Deus lhe destinara', tem muita similitude com a transformação de Paul Sousay, mestre da critica francesa contemporânea, de comentarista político a censor de literatura. Paul Souday encontrou sua verdadeira vocação pela argúcia de Adrien Hébrard. E você, Mestre chega ao seu lugar certo, pela experiência de João Clímaco D'Almeida.

O escritor piauiense - e isto não é novidade para você que é um pesquisador arguto e incansável da vida cultural do Piauí - permanece marginalizado, e, quando publica um livro, depois de vencer muitas dificuldades de afastar muitas pedras e de carpir muita desgraça moral, tem de fazer como o vendedor de banana: sair pelas ruas da cidade oferecendo, com uma espada de gêlo confiada na alma, sua mercadoria pouco aceitável, porque produzida numa região onde se valorize mais a barriga do que a cabeça. O governo do Estado ainda não deu ao escritor piauiense, não sei se por razões mesológicas, a atenção que está a merecer, deixando de ser visto, como aconteceu até agora, como mero vendedor de livro.

Ao fazer esta carta, caro Mestre, ocorre-me que já levei ao seu conhecimento - na personalidade do combativo jornalista de ontem - a deplorável posição do escritor piauiense, que só faz literatura por duas fortes razões: vocação e amor a terra natal.

O problema cultural do Piauí continua, a meu ver, na estaca-zero.

E a sua presença na Secretaria de Educação e Cultura do Estado, por um tempo mínimo, não vai ser motivo de solução para tão grave problema da vida piauiense.

Mas tenho certeza, mesmo que esta carta não lhe chegasse às mãos zelosas, que algo será feito por ele e por aquele que é seu oficiante.

De mim, Mestre, já habituado com as urzes dos meus caminhos, nenhuma intenção de ser aquinhado, pois me preocupo mais com os colegas dêste oficio, que ainda não pode ser exercido no Piauí.

O oficio de facetar, com o burel do sentimento as arestas do espirito.

De fora, metido na noite do meu insulamento e da minha solidão, me sinto muito feliz com o brilho distante das estrêlas.

As pedras, Mestre, não doem para quem caminha apenas sobre pedras".


A. Tito Filho, 10/06/1970, Jornal do Piauí

Nenhum comentário:

Postar um comentário