Quer ler este post em PDF?

domingo, 13 de fevereiro de 2011

CADERNO DE ANOTAÇÕES (14)

Clóvis Moura - De São Paulo, o talento do conterrâneo Clóvis Moura manda-me esta admirável concepção poética:

A CORRIDA VIDA/MORTE

Cavalos brancos galopam
levando o teu corpo leve:
são fantasmas espantados
numa planície de neve.
Cavalos brancos desfazem
a gaze dos teus cabelos
no vento que açoita a Lua
e desmancha os arvoredos.
Cavalos brancos galopam:
navegam brancos de mêdo
e a corrente do passado
segue montada nas ancas
dos cavalos em atropêlo.

O teu corpo vira nuvem,
vira semente de gêlo
e os cavalos que cavalgam
para o monte do sêgredo
resfolegam ar de espanto
e labaredas desfeitas.
Voa o teu corpo levado
por cavalos que galopam
para o monte do segrêdo:
a tua espádua é uma Lua
que está procurando órnita
e gira fora do mêdo.

Nos sete cavalos negros
carregam o teu ataúde
e na noite o cardo verde
     fura os teus olhos na treva,
Quis segurá-los, não pude,
e êles carregam na noite
teu ataúde de virgem
deitada em cavalos brancos
que têm as crinas de tule.
Não sei se os cavalos brancos
irão teu corpo entregar
aos sete cavalos negros
que levam o teu ataúde
onde te querem guardar.

Mas, o meu grito na noite
irá por certo espantá-los
e talvez deixem o ataúde
no arquipélago louco
onde não mora o luar.
Os sete cavalos negros
correm com o teu ataúde,
vão à procura dos lôbos
e eu quis detê-los: não pude.
Os cavalos brancos levam
teu corpo desfeito em nuvem
e eu na noite, insone e rouco,
quero deter os cavalos
que levam o teu ataúde.

Os cavalos brancos cavam
espaços para reter-te
e os sete cavalos negros
que levam o teu ataúde
correm atrás para alcançá-los.
Na noite eu grito infinitos
para detê-los: não posso!
Será que a Morte deseja
deter teu perfil sagrado?
Será que os cavalos negros
são seus mandados vassalos?

Mas, o teu corpo na nuvem
corre sôbre outros cavalos:
cavalos brancos que levam
teu corpo para o arquipélago
onde eu posso resguardá-lo.
Grito infinitos na noite
para que cheguem os cavalos
que trazem o teu corpo branco:
não quero os cavalos negros
que trazem o teu ataúde
para na Morte guardá-lo.


A. Tito Filho, 15/09/1970, Jornal do Piauí

Nenhum comentário:

Postar um comentário