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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CADERNO DE ANOTAÇÕES (5)

Faz dias, e comentei pelo rádio o assunto, dois mestres de português, um deles Bechara, lúcido sempre nos ensinamentos, prestaram declarações a "O Globo", do Rio, e com elas se manifestaram contra livros que acatassem termos de gíria, nas escolas. Adolescentes e jovens não deviam ler termos de gíria, sustentaram os dois professores. A gíria, porém, é sabedoria popular. Criação inconsciente das coletividades. O povo transfere significados de uma cousa a outra, por semelhança. Bofe é parte do animal que a muitos repugna. Bofe, na gíria, vale mulher feia, sem atrativos, que ninguém quer para amores. No meu modo de entender a gíria enriquece o idioma. Não se confunda, entretanto, gíria com calão, nem com linguagem iê-iê-iê. E para que a juventude, nas escolas, deixasse de ter contacto com a gíria, seria necessário subtrair dela notáveis livros da literatura nacional. Exemplos:

- Sente a falta do ARAME nas gavetas (Emílio de Meneses - "Mortalhas" - pág. 42).

-... ganhou hoje e levou uma BOLADA (Machados de Assis - "Outras Relíquias" - 27).

- Vai, BRUACA velha... (Simões Lopes - "Contos Gauchescos" - 146).

- O que vamos fazer, o casamento não é nenhuma CANJA (Afrânio Peixoto - trabalho intitulado "Outros Tempos").

- Meu avô materno, Francisco de Paula Rubim, mineiro. CASCA-GROSSA... (Humberto de Campos - "Um sonho de Pobre" - 133).

- Sob a presidência do Marechal Hermes tornou-se proverbial o CHALEIRISMO (João Ribeiro - "A língua nacional" - 76).

- Em primeiro lugar pagarei aqueles COBRES me devo (Artur Azevedo - "Contos efêmeros" - 61).

- As turcas acabaram EMBRULHANDO Alá Maomé (Medeiros e Albuquerque - "Por terras alheias" - 88).

- Este santo não passa de um ESTRADEIRO de marca (José Lins do Rego - "Pedra Bonita" - 343).

- Ficou de GALINHAGEM com o marido (Lins do Rego - "Pedra Bonita" - 305).

- Cortou cerce naquela MAMATA (Paulo Setúbal - "Marquesa de Santos" - 70).

-... estou namorando uma vizinha do sobrado fronteiro. É um PANCADÃO (Rodrigo Otávio - "Minhas memórias dos outros" - 203).

- Não foi igualmente bonito nem sumário o ROLO do largo de São Francisco... (Machado de Assis - "Crônicas" - 117).

São milhares os exemplos. Bastam os que ficam acima registrados. X X X RAIMUNDO Rosa de Sá escreve-me: "A política de valorização do artista teresinense anunciada pelo governo e posta em prática pela Fundação Projeto Piauí não corresponde a realidade. Não houve definição exata dos problemas da musica piauiense. A exibição de grupos folclóricos, os corais e a criação de bandas nos colégios não são expoentes da nossa cultura musical. Estamos com uma radiofonia ociosa nesse sentido. Não há estímulo a profissionalização do musico. Não há no Piauí leis que regulem a atividade profissional do músico". OBSERVAÇÃO. O autor das considerações que ora se publicam é jovem idealista, bom candidato a vereador. Discordo de algumas opiniões suas. Não vejo mal na extinção de grupos folclóricos, desde que sejam realmente FOLCLÓRICOS. São necessárias as atividades artísticas dos corais. As bandas de musica dos colégios pecam pelo excesso de treinamento e pela espécie de musica ensaiada e executada. E mais: a profissão de músico no Brasil está regulamentada pela Lei 3857, de 22 de dezembro de 1960. Finalmente: Raimundo Rosa de Sá, amigo que muito prezo, deve levar sugestões ao prof. João Ribeiro, do Projeto Piauí. Apenas a critica, não. A critica e a sugestão para que os problemas sejam resolvidos em beneficio da coletividade. X X X DE VEZ EM QUANDO se grita contra o meretrício. E fala-se de ação policial contra o meretrício, como se policia fosse o remédio. Estamos com Rui na condenação do jogador, mas temos pena do jogador, vitima do vicio. A prostituta é degradante, mas nos penalizamos das infelizes horizontais. Essas pobres mercadoras procuram no subsolo social pão e roupa. Compete a todos a ação para reabilitá-las, oferecendo-lhes oportunidades. O meretrício é problema social. Centenas de mariposas iniciaram a vida que levam por pouco dinheiro. A essas vitimas falta o mínimo afeto e a dose por pequena que seja de compreensão. A prostituta em Teresina reclama a atenção da sociedade, das instituições sociais acreditadas. Do Estado. De dom José Falcão. Dos protestantes. Jesus deu perdão a Madalena e mandou que ela se reabilitasse. Atenção de todos. Não se justifica mais o prostíbulo, o oferecimento da carne pelas ruas suspeitas. A mulher se torna prostituta por virtude da miséria. Não é prostituta por prazer neste século em que a mulher conquistou liberdade sexual. É chegado o instante de varrer da vida social a caridade paternalista do natal dos pobres. Do dia da mãe pobre. De examinar o gravíssimo problema da prostituição em Teresina.


A. Tito Filho, 22/10/1972, Jornal do Piauí.

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